A história até a História

O filósofo grego Aristóteles foi enfático em dizer que a poesia era mais relevante que a História, pois aquela é mais universal que essa. De modo concreto, a disciplina a que o pensador está falando não é a mesma da Era Contemporânea. Podemos remontar a sua cientifização ao século XIX, quando diversas correntes e teorias surgem. Se o século XVIII foi o “Século da Filosofia”, o seguinte será o “Século da História”.

Quando Leopold von Ranke lançou suas teses sobre a escrita da História, ele tentava evadir de uma história filosófica, ou seja, uma história sem um método corpori-ficado (REIS, 1996). Embora não tenha ido muito longe da esfera filosófica, Ranke co-locou a História não apenas como narração de eventos, mas como método e processo ideográfico, buscando o singular no tempo e espaço. O objetivismo entra em cena.

Isso implicava em grandes problemas, seria possível o historiador estar isento de sua subjetividade? O método historiográfico-erudito é infalível? O método rankeano é um axioma. As fontes, embora estejam bem definidas em seu papel, são limitadas. Ran-ke se propõe a historiografar a política, a história dos grandes homens. A guerra, a di-plomacia e os registros oficiais são os cânones dessa história.

O hegelianismo e o positivismo são compreensões metafísicas da realidade his-tórica. Ambas atribuem uma lei universalizante e determinada dos eventos. Nem mesmo o materialismo histórico foi capaz de romper com essa cadeia. Pois mesmo no socialismo científico, a sociedade segue uma marcha etapista. O homem é determinado pelas suas condições materiais, embora faça a sua história, está é condicionada pela sua época.

No final do século XIX, quando a questão do nacionalismo ganha forma, a His-tória adquire um papel novo: legitimar o Estado e criar um passado em comum (BOURDÈ & MARTIN, 1983). A França é a que mais se apropria desse ideal. A Escola Metódica surge na esteira de Ranke. A política ganha ainda mais destaque. Os eventos vão formando um povo, e o povo uma nação.

No século seguinte, nos “frementos anos 20”, dois historiadores de uma univer-sidade periférica estabelecem uma crítica aos metódicos como Ch. Seignobos e Ch. Langlois. Para Marc Bloch e Lucien Febvre, apenas a narração ipsi literis dos documen-tos oficiais não seriam suficientes para compreender a história humana. Era necessário um esforço epistemológico maior nesse sentido.

A História desce um degrau nas estruturas. Passa da política para as questões socioeconômicas e das mentalidades. As fontes se alargam, bem como seu método de crítica interna e externa. A revista Les Annales surge (BURKE, 1992). Uma das maiores contribuições dessa escola historiográfica foi a interdisciplinaridade com outras ciências e campos do saber como a linguística, a geologia, a antropologia, a sociologia e outras.

Embora não haja consenso entre os historiadores da Historiografia, podemos dividir a história dos Annales em primeira geração, a de Bloch & Febvre; a segunda geração, a de Braudel; e por fim, a terceira geração, também conhecida como Nova His-tória, que se ampara nos aspectos da cultura para a sua escrita (PESAVENTO, 2012). Isso não significa que não houvesse outras tendências demarcando território, como o neomarxismo inglês de E. P. Thompson. A ciência adquiriu novos métodos, novos temas e campos de atuação profissional.

Para além das críticas, podemos destacar os seguintes avanços: a História do Tempo Presente, o ressurgimento da narrativa, a História Oral, todo registro humano no tempo e no espaço como fonte historiográfica, a percepção do tempo braudeliano, a interdisciplinaridade etc. Com esses recursos o historiador poderá fazer uma história total. Não no sentido de algo definitivo, mas no sentido da mais ampla percepção da historicidade, cobrindo o máximo de elementos possíveis dos eventos e fatos históricos.

Referências bibliográficas

BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. Portugal: Publicações Europa América, 1983.

BURKE, Peter. A Escola dos Annales 1929-1989: A revolução francesa da historiogra-fia. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 1992.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 3. ed. Belo Horizonte: Au-têntica, 2012.

REIS, José Carlos. A História, Entre a Filosofia e a Ciência. São Paulo: Editora Ática, 1996.

ROCHA, Everardo. O que é mito. Editora Brasiliense, 1996.

SÁEZ, Oscar Calávia. A variação mítica como reflexão. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, vol. 45, nº 1, p. 07 – 36, 2002.

VEYNE, Paul. Acreditavam os gregos em seus mitos? Ensaio sobre a imaginação cons-tituinte. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Caliel Alves
Enviado por Caliel Alves em 25/11/2019
Código do texto: T6803671
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.