Boyhood - Da Infância A Juventude: Um Épico Empírico

Boyhood - Da Infância A Juventude:

Um Épico Empírico

By Freeman Frost

Esse é um daqueles socos no estômago que reafirmam a importância de jamais subestimar algo baseado apenas em impressões superficiais, porque isso pode estar te privando de momentos sublimes.

Lembro de ouvir alguns comentários sobre o longa, no ano de seu lançamento. O maior destaque era dado ao tempo de produção: 12 anos! Uma das mais demoradas da história do cinema. Minha reação foi quase que um desdém, não semelhante a comoção fingida dos jornalistas na bancada do telejornal, na verdade, devo ter balançado sutilmente a cabeça e revirado os olhos, já aguardando a próxima notícia. Eu era jovem… A sinopse deve ter me atingido como a brisa de uma breve flatulência, porque na época eu era o tipo de pessoa que achava dissertar sobre sentimentos um lance muito afrescalhado. O cinema, pra mim, limitava-se às experiências quase desalmadas proporcionadas pelos blockbusters. Era como se minha noção máxima sobre o fogo fosse a fumaça e as cinzas. Eu diria “fala sério, por que gastar quase três horas da minha vida só pra saber como um garoto viveu em 12 anos?”.

Esse é um dos encantos da vida: ela te permite reviver uma situação, e então observa, nostálgica, enquanto você ri ou chora de si mesmo, pela saudade ou pela gratidão ou arrependimento, etc.

Boyhood - Da Infância à Juventude presenteou-me com muito mais do que apenas a felicidade de ter vivido a experiência indescritível de assistir à um filme maravilhoso. Me permitiu uma reflexão profunda e especial da minha própria vida, dando as coordenadas de questões que eu sabia que estavam ali, mas que desconhecia a localização exata.

A narrativa em torno do cotidiano é algo que já há algum tempo tem me fascinado. Nada de perseguições frenéticas, lutas exageradamente coreografadas, CGI demasiado para compensar uma trama medíocre, aspectos presentes nos filmes que costumava consumir imoderadamente. Nada de um propósito específico para submeter toda a história. É simplesmente a vida, de pessoas comuns em constante metamorfose e tendo de lidar com a consequência de suas escolhas enquanto seguem em frente do jeito que dá.

Em alguns diálogos, o personagem de Ethan Hawke parece compartilhar um pouco dessa idéia com seu filho:

- … Fala sério, é a sequência perfeita! Você tem o Paul que te leva pra balada, George que fala sobre Deus, John que fala “Não! é sobre amor e dor” e daí o Ringo que só fala “Ei… não podemos aproveitar o que temos enquanto temos?”

- Tudo? Pra que isso? Olha, com certeza eu não sei! E ninguém sabe, né… Estamos só… vivendo, entende? Mas a boa notícia é que você sente as coisas, né. E você tem que se apegar a isso. É sério, quando você fica mais velho não sente tanto, você endurece, sabe.

Vale citar também uma fala de Gandalf, o Cinzento em “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada”:

- Saruman acredita que apenas um grande poder pode manter o mal sob controle. Mas não foi isso que descobri. Eu descobri que são as coisas pequenas, os feitos diários das pessoas comuns que mantêm o mal afastado. Simples atos de bondade e amor.

Pensar na rotina como um medicamento natural, o equilíbrio, que aquieta a formulação de pensamentos traiçoeiros que infligem ao ser a paralisia da escolha, é uma idéia complexa, embora, pareça simples. A atmosfera do filme - pelo menos para mim - é uma eloquente exploração dessa idéia. E os 12 anos de produção dão uma ênfase especial, pois você imagina a maturidade que cada um dos atores e demais envolvidos no projeto adquiriu com o passar dos anos, em suas vidas pessoais, e como isso refletiu no resultado final da obra. É como se os bastidores se tornassem um segundo filme, de consonante intensidade. As referências à cultura pop foram uma sacada genial, pois as gravações do longa ocorreram durante a explosão daquilo que é mostrado. Isso atinge em cheio a audiência, dando-lhe a impressão de que está folheando um álbum de recordações, diferente de um mero flashback.

É preciso certa sensibilidade - ainda que o excelente roteiro facilite a imersão do espectador -, pois a experiência pode se tornar massante se você assistir na expectativa pela tradicional história da família que sofre inúmeras dificuldades mas que ao final passa por tudo sem muitos arranhões. Não é esse tipo de recompensa que você irá obter. Ao final da película, alguns dos problemas continuam, além do surgimento de novos e a expectativa por muito mais, e, ainda assim, com a incerteza imposta pela vida, cada um dos personagens segue em frente. Porque isso é tudo o que há para ser feito. É diferente de conformação, isso é aprender a agir naturalmente, tendo a noção de seus limites e procurando ser o melhor possível dentro deles, sem forçar um final feliz, pois não é o que a maturidade aconselha.

A personagem Olivia Evans tem algumas das melhores falas do terceiro ato, onde se percebe que o conflito interno resultante de diversas relações turbulentas impõe a ela uma nova perspectiva, talvez a chance de redenção que ainda precise ser descoberta, e que é recepcionada na última e melhor fala da personagem, com sua última frase marcando toda a frustração de uma vida que perdeu tempo fantasiando demais a serenidade de um cotidiano estável:

- Eu só… achei que iria ter mais coisa.

Essa fala me pareceu genial, pois é possível até mesmo fazer uma analogia com o que - possivelmente - a parte da audiência não satisfeita disse sobre o filme. Como se a compreensão da mensagem contida em cena fosse confirmada, de maneira subconsciente, num comentário que cria um paralelo.

Uma sincera empatia transbordou de mim pelo protagonista, principalmente em sua fase adulta. A começar pela faixa etária que compartilhamos, suas fases até chegar ao “eu” verdadeiro, sua mentalidade que aos poucos foi entendendo que não dava pra entender a vida, seu semblante cansado, sua mania de optar as vezes pelo isolamento e a dedicação praticamente medicinal àquilo que inspira sua liberdade. Não tenho essa sensação de estar sendo compreendido desde a última vez em que assisti um filme do John Hughes.

Ler “Joyland”, de Stephen King e escutar “7 Years Old”, de Lucas Graham me causaram a mesma comoção, em proporções distintas. Boyhood - Da Infância à Juventude é uma obra sobre a estruturação do indivíduo em meio a desestrutura, sobre reagir à inconstância da vida sem desanimar de vivê-la, entender que “a primeira vez é sempre a última chance”: Carpe Diem. Para bem e para mal, a imperfeição humana é a condição imposta pelo livre-arbítrio, e sua presença em nossas vidas é o que cria essa metamorfose em tudo que nos cerca, à partir de nossa ótica, atitude, índole, ambição. O tempo se vai, nos conduzindo em lições, sacrificando e recompensando, magoando e perdoando, ferindo profundamente e até rejuvenescendo… uma aventura à procura de um lar.