Heroínas de mangás e animês: Tsuchimiya Kagura

HEROÍNAS DE MANGÁS E ANIMÊS: TSUCHIMIYA KAGURA
Miguel Carqueija



“Ga-rei zero” é uma mini-série japonesa de animação do Estúdio AIC Spirits, baseada no mangá de Hajime Segawa, produzida em 2008. É uma fantasia sobrenatural com toques de terror e passada num fantástico Japão contemporâneo, onde ocorrem com frequência ataques de seres infernais e, em consequência, o governo criou uma agência de defesa mística, com guerreiros exorcistas. O enredo tem aspectos xintoístas, sendo o Xintoísmo a principal religião japonesa.
Existem famílias que, ao longo dos séculos, se especializaram no combate sobrenatural, destacadamente os clãs Isayama e Tsuchimiya. Como outras famílias, elas possuem guardiães do mundo espiritual em forma de animais, os ga-reis. O guardião dos Isayama é o Ranguren, que parece um leão de muitos olhos, e é convocado por uma espada mística, a shishi-ou; e o dos Tsuchimiya é o Byakuei, um dragão-serpente, convocado por uma pedra especial, a sesshoseki.
“Ga-rei zero” é a história de duas adolescentes, irmãs de criação, Tsuchimiya Kagura e Isayama Yomi, da extraordinária amizade que as uniu ao longo de anos de ternura, alegria e companheirismo, e das cruéis circunstâncias que as separaram, as tornaram inimigas e as levaram a lutar entre si.
A mãe de Kagura era uma exorcista, herdeira da tradição da família. Por sua morte a função passou para o viúvo, que então, achando que não poderia dar atenção à filha, a expulsa de casa, entregando-a à família Isayama. Lá, o patriarca já havia se aposentado das atividades de exorcismo e passara essa responsabilidade para a filha adotiva, Yomi, que se torna então a portadora da espada shishi-ou e do controle do Ranguren.
Kagura, então ainda uma criança, chega à casa dos Isayama extremamente deprimida e não é para menos: perdeu a mãe, foi rejeitada pelo pai e entregue a estranhos. Porém Yomi a recebe como uma irmã mais nova e a trata com tanto carinho e dedicação que, logo, Kagura recupera a auto-estima e a alegria de viver. Yomi já trabalha na Agência de Proteção contra Desastres Sobrenaturais e passa a levar Kagura na qualidade de aprendiz. Com o tempo Kagura, que aprende depressa, torna-se tão hábil que iguala Yomi, aliás elas são provavelmente as melhores guerreiras exorcistas do Japão.
Passam-se anos, as duas são companheiras inseparáveis e ligadas por uma amizade comovente. Esta felicidade, porém, termina abruptamente. Em razão de dolorosas circunstâncias que não cabe aqui esmiuçar, e a exemplo do Valdemort de “Harry Potter” e do Anakin Skywalker de “Guerra nas estrelas”, Yomi se bandeia para o “lado negro”, transformando-se num poderoso ser maligno. Yomi desperta uma legião de criaturas malignas, demônios, monstros, zumbis, e pratica uma série de atrocidades, inclusive exterminando metade dos exorcistas da agência governamental e trucidando o pai de Kagura. Esta passa a ser a herdeira dos poderes de seu clã, como o controle do ga-rei familiar, o Byakuei.
Nesse ponto da história Kagura, que permanece pura, bondosa e moralmente íntegra, é talvez a única pessoa capaz de derrotar Yomi. Kagura, porém, vê-se diante do mais terrível dilema: ou ela fecha os olhos, lava as mãos e deixa que outros tentem resolver o problema, ou vai pessoalmente lutar contra a pessoa a quem ela mais ama.
Kagura sofre com os ditames de seu coração mas, por seu caráter, coloca o cumprimento do dever acima de inclinações pessoais. Ela define a situação com esta frase: “Eu jurei proteger a humanidade dos espíritos malignos”. E mesmo com dor no coração ela vai ao encontro de Yomi.
A luta entre as duas ocorre no último capítulo do seriado, dura muito tempo e, dadas as condições que a causaram, vem a ser uma das sequências mais pungentes da história da animação.




Imagens do seriado: Tshuchimiya Kagura (sempre de branco) e Isayama Yomi (sempre de preto). Acima, no tempo da amizade. Embaixo, o emocionante confronto final entre a “Sacerdotisa Branca” e a “Sacerdotisa Negra”.

Rio de Janeiro, 21 de julho de 2018.