O CARNAVAL DOS CRENTES - SAMBA NO PÉ, JESUS NO CORAÇÃO

No carnaval, blocos e escolas de samba evangélicas anunciaram a Palavra de Deus no meio da folia

Dizem que quem não gosta de samba, bom sujeito não é; ou é ruim da cabeça, ou doente do pé. Mas a verdade é que um grupo enorme de gente muito saudável de corpo e alma não gosta de samba – melhor dizendo, do carnaval. Considerada uma festa profana pelos crentes, a folia passa longe dos arraiais evangélicos, que preferem aproveitar o feriadão para participar de retiros espirituais, viajar com a família ou estreitar a comunhão com os irmãos. Mas se não dá para impedir a festa, melhor fazer parte dela – tendo como motivação, é claro, objetivos evangelísticos. É com esse pensamento que cada vez mais igrejas botam o bloco na rua nos dias de carnaval. Já há até escolas de samba gospel, que desfilam de fantasia e tudo para levar aos foliões a mensagem transformadora do Evangelho. Para eles, a união do útil – ou seja, ganhar almas para Cristo – ao agradável – brincar o carnaval de uma maneira sadia, sem extravagâncias – tem se tornado a receita certa para levar adiante seus propósitos.

De norte a sul do país, crentes das mais diversas denominações organizam grupos que entram no clima do carnaval, mas sem jamais perder a santidade. Fundado há quase vinte anos pelo pastor Ezequiel Teixeira, dirigente da Igreja Projeto Vida Nova, o bloco Cara de Leão já virou uma tradição do carnaval carioca. Muito organizado, com alas, alegorias e até samba-enredo, a agremiação reúne centenas de membros da igreja e simpatizantes que desfilam distribuindo folhetos, evangelizando e até orando no meio da rua. “O surgimento do bloco foi uma grande estratégia do Senhor para alcançar milhares de vidas nos dias de carnaval”, relata Teixeira. “Nosso maior enredo é contar para o povo que nos assiste a história do amor de Deus”, entusiasma-se o religioso.

O bloco arrastou uma multidão de fiéis em plena Avenida Rio Branco, no centro do Rio, no último carnaval, repetindo o que vem acontecendo nos últimos anos. No início, o Cara de Leão – nome que lembra a descrição bíblica para o Filho de Deus, chamado de Leão da Tribo de Judá – atraiu muitas críticas de igrejas e pastores mais conservadores. Mas engana-se quem pensa que o pessoal vai para a rua só para brincar. Os desfiles são antecedidos de muito jejum e oração. O bloco esbanja ritmo, descontração e muita animação, com músicas de louvor ao Senhor em ritmo de batucada. Há algumas adaptações, claro – ninguém sai com trajes sensuais, os adereços e abadas têm motivos evangelísticos e o mestre-sala e porta-bandeira são chamados, apropriadamente, de “mestre salvo” e “porta-louvor”. “O fato de termos um bloco evangelístico não quer dizer que apoiamos o carnaval, que é uma festa pagã, tremendamente maligna”, emenda o pastor. “No desfile, estamos simplesmente cumprindo o ide do Senhor, de uma maneira muito criativa.”

“Alegria a vida inteira” – Quem também tem samba no pé e Jesus no coração é o Bloco Unidos da Fonte, com quase 300 componentes, todos da Comunidade Evangélica de Macaé (RJ). No carnaval 2009, eles saíram na Avenida dos Desfiles, a internacionalmente famosa passarela da folia carioca, que todos os anos recebe as tradicionais escolas do Grupo Especial, como Portela, Mangueira, Salgueiro e Beija-Flor. Da concentração – aquele espaço onde as escolas fazem o aquecimento – até a Praça da Apoteose, ao longo de quase 700 metros, os passistas de Cristo deram seu recado de fé. “Nossa alegria não dura somente quatro dias, mas a vida inteira”, comenta Marcos Vinícius Caldas Neves, pastor e fundador do bloco. “Na verdade, realizamos uma marcha evangelística de louvor e adoração no meio do carnaval deles. Nossa meta é evangelizar e profetizar a Palavra de Deus com orações específicas”, emenda.

Pregações, referências bíblicas nas canções, distribuição de folhetos com frases evangelísticas, enfim, a ação dos carnavalescos crentes pode ser bem diferente dos foliões tradicionais, mas quando o assunto é alegria, descontração e união, o Unidos da Fonte é nota dez. Com um enredo que falava da Conquista do Impossível e ao ritmo cadenciado da bateria, o bloco encarou o público de cabeça erguida. Aliás, a cada carnaval a desconfiança do início tem dado lugar à simpatia e aos aplausos por aqueles que assistem ao desfile. “Hoje a aceitação é maior do que quando iniciamos nosso trabalho, há nove anos. Muitas pessoas são tocadas pela nossa mensagem e recebem a Cristo como Salvador no meio da avenida, mesmo”, conta o pastor Marcos.

Em Curitiba, que não tem lá tanta tradição carnavalesca se comparada com outras grandes cidades brasileiras, o carnaval também pode ser uma bênção para muitos foliões. Ao se reunir para evangelizar numa festa em Belo Horizonte (MG) nos anos 1980, sob a liderança do pastor Marcos de Souza Borges – popularmente conhecido como Coty –, um grupo de cerca de 50 crentes não tinha ideia do que aquela atitude iria gerar anos mais tarde. “Deus compartilhou em nossos corações uma carga de responsabilidade acerca de tantas pessoas perdidas em busca de algo mais no carnaval”, lembra Coty. “Então, em vez de ir de novo para um retiro espiritual, resolvemos ficar na cidade e pregar o Evangelho. Não podíamos abandoná-la para ser palco de bebedeiras, violência, imoralidade e outros abusos sem oferecer nenhuma resistência”, afirma.

Aquele embrião evangelístico que se iniciou no carnaval mineiro germinou e, um ano depois, o grupo já contava com o apoio da organização Jovens com Uma Missão (Jocum). O exército de crentes chegou a ter 1,5 mil integrantes, vindos das mais diversas congregações. O bloco desfilou também em João Pessoa, na Paraíba, mas ancorou mesmo na capital paranaense, há dez anos. “Fomos convidados pelo líder das Escolas de Samba de Curitiba que, por coincidência, era professor do pastor da nossa igreja matriz. Mesmo deixando claro que nossa intenção substancial era pregar o Evangelho de Jesus, fomos apoiados unanimemente e pela primeira vez desfilamos como escola de samba oficial”, continua o pastor Coty. A partir daí, os resultados apareceram naturalmente. Com o conhecido grito de guerra Olha aí Curitiba a luz de Jesus na Avenida, que marca o início do desfile, a escola Jesus Bom à Beça, com percussão, tambores, cavaquinho e violão, já foi campeã duas vezes do chamado grupo de acesso – 2001 e 2003 –, além de conquistar um honroso 3º lugar no grupo especial em 2008.

Mas para a decepção de muitos crentes, a escola esteve impossibilitada de participar do carnaval deste ano. De acordo com a Prefeitura Municipal de Curitiba, a direção da agremiação não cumpriu com as exigências para que lhe fosse garantida uma ajuda financeira que proveria o desfile. Apesar do contratempo, o presidente Alexandre José Monteiro garante que a escola irá continuar animando o carnaval paranaense, com muito louvor, unção e a mensagens de paz. “Ganhamos a simpatia de muitas pessoas sem abrir mão dos princípios morais e cristãos. Com isso, sempre estivemos entre as melhores escolas de samba da cidade. No próximo ano poderemos retornar na mesma posição”, revela o pastor, que faz parte do Ministério Internacional Ágape. Mas na cidade histórica de Ouro Preto, em Minas Gerais, a versão local da Jesus Bom à Beça fez bonito pelas ladeiras coloniais repletas de foliões. Os 700 crentes envolvidos no trabalho cumpriram à risca a missão de anunciar Jesus no meio da folia.

Preparação espiritual – Ao que parece, já ficou mesmo para trás o tempo em que a presença da Igreja no carnaval era motivo de escândalo. Pastor da Primeira Igreja Batista de Jaguariúna, cidade do interior paulista famosa por outra grande festa popular, a do Peão de Boiadeiro, Cristiano Scuciatto não condena a participação de blocos evangélicos no carnaval. Mas ressalta que o grupo deve estar espiritualmente preparado e não pode se deixar contaminar pela festa. “Ao mesmo tempo em que muitas pessoas são convertidas, alguns crentes também podem usar o carnaval como um ardil para se divertir sem macular a imagem perante sua igreja”, compara o religioso.

Delson de Oliveira Bento, comunicador e presbítero da Assembleia de Deus de Macau, cidade litorânea do Rio Grande do Norte, fala com orgulho da tradicional festa realizada em sua cidade, que já perdura há mais de um século. “No decorrer do carnaval, são mais de 60 mil pessoas transitando em cada esquina, atrás dos trios elétricos, além de bandas na praia e uma infinidade de blocos”, enumera. Contudo, ele compreende que o bom cristão deve saber conciliar bem a brincadeira com suas obrigações para com a fé. “Certas músicas com mensagens pornográficas não edificam ninguém. Nós não podemos servir a dois senhores”, adverte.

O bloco Sal da Terra tem feito esse dever de casa direitinho. E olha que eles saem no olho do furacão, o carnaval de rua de Salvador (BA). Ligado à Igreja Batista Missionária da Independência (IBMI), o grupo, montado há dez anos, invade o Pelourinho, o Farol da Barra, a Praia de Itapuã e outros pontos tradicionais da folia baiana com centenas de componentes, todos devidamente adereçados. Segundo a missionária Cristiane Nonato, coordenadora do ministério, o Sal da Terra surgiu a partir da constatação de que a Igreja de Cristo deveria aproveitar a ocasião da festa profana para levar ao povo a mensagem da salvação. Para ela, não há época mais propícia para falar de Deus do que o carnaval. “Aqui encontramos pessoas de vários lugares e de diferentes culturas”, diz. Ela comemora os resultados deste ano: “A receptividade do público foi muito boa e o nome de Jesus foi glorificado”, resume. Olha os crentes aí, gente!

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JDM

José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 15/04/2009
Reeditado em 04/10/2022
Código do texto: T1540872
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