Bem feito, professora! – Sobre Marco Feliciano, Bolsonaro e a professora malvada

As redes sociais são um fenômeno muito novo ainda. Carecem de amadurecer. Ou talvez nem nunca amadureçam, já que as coisas, na modernidade, são substituídas freneticamente e, tão logo as conheçamos, tornam-se ultrapassadas. É o que tem ocorrido inclusive às pessoas: Tais quais as coisas, não amadurecem jamais, já que estão de todo alimentadas pelo entretenimento mais fútil, o menos desafiador. Dias e dias se gasta mentindo-se, se expondo, opinando e acompanhando a novela da vida dos outros. As ideias chegam em sua maioria fragmentadas, em memes e opiniões curtas. E há uma sensação de aprendizado, de dever cumprido, de se ter vivido a vida, de que as coisas são apenas o superficial. E, nesse contexto, qualquer idiota pode cair na boca do povo, ou seja, no meme do povo.

Não quero dizer que isso tudo seja inteiramente ruim. Mas o problema que vejo diz respeito à circulação dessas informações, em face de que todo discurso é proferido para um público, não há texto sem interesse por leitor, ou seja, a leitura depende do leitor para realizar-se, no papel ou na oralidade. E, quanto mais esse leitor for incapaz de participar desse processo, debatendo sobre o texto, aprendendo sobretudo, olhando desconfiado e exigente, mais aquele que profere o discurso ganha pelo vazio, pelo raso, pelo pequeno e direto. Isso propriamente torna a ambos medíocres. A pouca exigência intelectual torna um ser humano escravo de outro, talvez menos apto que ele, o qual faz uso da força bruta e da imposição econômica para sobressair-se.

No Brasil, há exemplos aos milhares de pessoas obtusas que formaram a opinião da galera. Quero citar dois, que são Bolsonaro e Marco Feliciano. São representantes, cada um a seu modo, da moral e da cristandade essencial. Ocorre que agora há uns dias uma professora foi agredida fisicamente por um aluno e, esta mesma, havia julgado emancipador o gesto de se jogar um ovo em Bolsonaro, arquitetado por uma mente rebelde.

Se a professora está certa em felicitar-se com a ocasião, ou não, isso não quero eu julgar. Nem tenho opinião. Sei que, lá por dentro, na minha alma, eu fiz o mesmo, só não publicamente. Porque o ato de uma menina lançar um ovo na cabeça de uma pessoa que expressa ofensas em suas redes e audiências no poder público é um ato pessoal de indignação. Não há humanidade que suporte passivamente a opressão e o descaso. Contudo, jogar um ovo em Bolsonaro seria melhor que organizar-se comunitariamente, pelas bases, e partir para o debate, para a política? Bem, o leitor o julgue, mas certamente o ovo é muito mais significativo para se chamar a atenção do que o debate, que ao povo tem sido negado.

O mais importante, contudo, reside no fato de o político em questão ser um sujeito que expressa ódio, com frases de efeito cheias de preconceito, de machismo, de coronelismo, apreciando a tortura e o estado de ditadura. Seus seguidores falam que votam nele por causa de suas propostas, mas suas propostas são como os memes, curtas, rasas, como “bandido bom é bandido morto”, como um traficante de armas que entregará à mão dos cidadãos de bem munição para a guerra.

Então, vem Marco Feliciano às redes polemizar com sua imensa capacidade de reflexão.

Supor que o pastor a que me refiro seja um homem de Deus é por si só uma pobreza imensa de espírito, ou de intelectualidade. Seu cristianismo é excludente e relembra o período depois da renascença, meados do século XVI e XVII. Parece que, tal qual o concílio de Trento, Feliciano e seus pares querem reinstalar uma Santa Inquisição, tão animal quanto a que houve, reportando-nos àquele período barroco de fogueiras e queimas de livros.

Eu não me considero lá cristão. Mas vou dizer a todos o que é ser cristão, porque também eu pude ler as palavras que escreveram sobre Jesus e nem de longe comparam-se às de Feliciano ou Bolsonaro. Cristão não é se importar com o raso da sociedade, é, como Jesus ensinou, buscar a equidade, a igualdade, já que todos os homens seriam filhos de um único Deus, e bem por isso teriam os direitos iguais. O Mestre expressava claramente essa opinião, tanto que aceitara em seu torno mulheres, pecadores, os pobres e marginalizados, samaritanos e outros mais, andando no meio deles e vivendo com eles, igual a eles, isso materialmente e no respeito de sua espiritualidade. Ser cristão, então, não é preocupar-se individualmente com o paraíso, porque este é conquistado quanto mais seja a abnegação das vaidades e do egoísmo. Não é fazer caridade, isso é burguês, esse tipo de auxílio é tão passageiro e inútil quanto as sementes em terra rochosa, que não nascem. Caridade é uma imposição de poder sobre o pobre, que deverá permanecer na mesma situação, logo o que foi dado seja consumido. Cristandade é tentar sanar o problema em sua raiz, desfazendo a desigualdade, almejando o mesmo, o direito para todos. Não é aceitar que o sofrimento não passe, carregando a cruz simplesmente por carregar, mas Jesus enfrentou a sua desafiando os governos e as instituições pelo bem da maioria, ou seja, de todos.

Feliciano, quando se expressa sobre a agressão contra a professora, passa, de defendê-la, a regozijar-se de ela ter sido agredida, dizendo que por ser militante da esquerda ela mereceria, já que Paulo Freire e, certamente, os grandes defensores dos direitos humanos consideram a violência um ato proveniente da vitimização social. Isto é, a professora apanhou por defender ideias como as que dizem que o menino agressor era uma vítima da sociedade. Com isso, quase diz que foi bem feito! E aí defende Bolsonaro, levando-nos a entender que aquela foi uma atitude de marginal, que deveria ser sanada, bem como o ovo lançado. Será que eu entendo aqui o slogan “bandido bom é bandido morto”?

E a comparação parece-me absolutamente descabida. Bolsonaro sofreu uma agressão por questões graves, por falas como “não te estupro porque você não merece”, por ofensas à comunidade LGBT, com homenagem a torturadores. O aluno joga o livro contra a professora por ela exigir-lhe que seguisse as normas da sala de aula, um espaço onde a disciplina está atrelada à reflexão e ao estudo, portando à concentração e a certa ordem. Ele agride a professora no espaço em que ela opera, agindo contra o ato de aprofundar seu conhecimento e sua maturidade em mediação, pois então, contra si próprio. Não é uma atitude rebelde, como o pastor julga no vídeo, é uma atitude idiota, movida certamente porque é uma vítima da rasura de autoestima e de intelectualidade em que se encontra grande parte do nosso quadro social. Se a professora julgou bem o ato da lançadora de ovos, o fez porque era uma atitude de indignação relacionada à falta de decoro público de pessoas que promovem o mal estar social, muito mais que a ordem, como dizem. O moço agressor é um ignorante, vítima do “memismo” e da desigualdade social forçada pelos grandes proprietários e pelos políticos corruptos.

E o pastor ainda diz, indignado, que ela é contra o programa Escola sem Partido. Um projeto que atua inteiramente contra o professor e a reflexão crítica dos próprios alunos em sala de aula. Portanto, eu digo de que mais foi vítima essa professora e esse agressor: De discursos como o do senhor Feliciano e de Bolsonaro, que alimentam a crença de que os profissionais da educação são incompetentes, difamando-os em suas falas, lançando a sociedade contra nós. Vendem a imagem de que somos maus e depois dizem que os alunos devem respeitar-nos. Tamanha hipocrisia! Se eles mesmos não respeitam. Tiram nossos direitos, acusam-nos, agridem-nos verbalmente e, não raro, fisicamente, como é o caso de 30 de agosto e mais recentemente de 29 de abril no Paraná.

Enfim, a infelicidade do discurso de Feliciano e desses cidadãos rasos é a de defender, disfarçadamente para os mais ineptos, descaradamente, a agressão do aluno e a investida de mais agressores, em virtude de ele próprio defender-se na figura de Bolsonaro, pois sabe que se houver cidadãos mais orientados intelectualmente o seu semblante de político bom e cristão será enterrado de imediato. E é com isso que realmente se preocupa, o Pilatos do vídeo.