Erros que acabam uma história

Escrever não é fácil, especialmente quando se trata de um trabalho de ficção, cuja maior preocupação deve ser com a verossimilhança. Quando escrevemos algo imaginário, seja o contexto que for, não podemos esquecer que precisa fazer sentido, parecer real(mesmo dentro de um universo fantástico) e não cansar o leitor. Devemos tomar cuidado pois nem o escritor mais atento - que é um ser humano e, portanto, passível de cometer erros - está livre de cometer erros ao criar seus enredos e personagens e até o menor equívoco pode botar a perder boas ideias, fazendo-nos pensar que uma boa chance foi desperdiçada. Quantas histórias com premissas interessantes e que prometiam muito não terminaram em enredos confusos e inverossímeis, cheias de erros que qualquer leitor consegue perceber?

São muitos os erros que podemos cometer ao escrever, mas há alguns bastante comuns que valem ser mencionados aqui:

1- Inverossimilhanças: sabemos que algo é totalmente inverossímil quando, ao observá-lo e analisá-lo, vemos que não seria possível na vida real. Uma inverossimilhança grosseira observada em um filme foi a construção do perfil de um personagem. Dizia-se dele que teria sido delinquente juvenil e fora detido várias vezes. Porém, nada na sua maneira de agir condizia com o perfil de quem fora delinquente. Ele era uma pessoa infantil e ingênua, que não sabia identificar uma situação de perigo e sempre caía em armadilhas. Está certo que, quem foi delinquente, pode se regenerar. Mas não poderia ser uma pessoa ingênua. Qualquer um que tenha sido delinquente aprende a identificar situações de perigo e quem é ou não confiável.

2- Excesso de tramas paralelas: O excesso de tramas paralelas - isto é muito comum em telenovelas - acaba desviando a trama do foco principal, tornando a história confusa e aborrecida. Frequentemente, terminamos sem saber qual a história que está sendo contada.

3- Personagens desnecessários : Quem já não leu um livro, revista em quadrinhos ou não viu um filme, novela ou seriado em que há pelo menos um personagem que não faria a menor falta se sumisse da história? Alguns são até interessantes no começo, mas depois de um tempo ficam como meros acessórios. É comum autores de novelas matarem esses personagens ou inventar que viajaram para longe.

4- Mudanças repentinas e inexplicáveis: Todos mudam na vida real e também se espera que os personagens mudem, principalmente em tramas muito movimentadas. Ninguém pode esperar que um personagem que passou por muitos problemas continue do jeito que começou. Entretanto, há casos em que são feitas mudanças bruscas na trama ou nos personagens, algo recorrente em novelas ou programas de longa duração. Geralmente, tais mudanças ocorrem para alavancar audiências mornas, o que é arriscado porque, embora às vezes dê certo, o mais comum é dar errado. Um escritor que queira mudar o perfil de um personagem precisa estar consciente dos riscos, visto que o leitor ou espectador pode não se convencer. Alguém acharia convincente a Odete Roitman se transformando de repente numa pessoa doce e bondosa? Quem acreditaria ao ver a Heloísa de Mulheres Apaixonadas virando uma pessoa equilibrada da noite para o dia?

5- Transmissão de conteúdos errados: Na vida real, não é segredo que nem tudo é tão simples e que há momentos em que realmente é difícil distinguir o certo do errado. Todavia, muitas histórias transmitem conteúdos errados, com personagens de postura e moral duvidosa. Temos visto muitas tramas que apresentam estupro romantizado, relacionamentos abusivos, incesto e pedofilia como se fossem bastante naturais. Qualquer leitor ou leitora que tenha sido sexualmente abusado ou tenha vivido um relacionamento marcado pela violência - física ou psicológica- se sentirá ofendido e chocado ao ler histórias assim, que nos dão a impressão de terem sido escritas por um pirado. Num mangá que eu li, um personagem sequestra uma pessoa e a obriga a servi-la sexualmente. Com o tempo, o sequestrador cria afeto pela sua vítima e lhe pergunta se não quer viver com ele. Após o resgate da vítima, o algoz fica pensando que, se não houvesse agido daquela forma, talvez a outra pessoa houvesse querido ficar com ele. O que dizer de um autor que constrói uma trama de forma a simpatizarmos com quem sequestra, estupra e transforma alguém em escravo sexual? Alguém que age assim - privando uma pessoa de sua liberdade e direito de dispor sobre seu corpo - é simplesmente um ser abominável. Não dá para simpatizarmos com quem submete um inocente a uma rotina de servidão e tortura psicológica dessa forma. Até o leitor menos moralista há de concordar com isso. Ao terminar de ler, pensei que o autor desse mangá só pode ser uma pessoa bastante pervertida.

Após analisarmos tudo isso, concluímos que falar sobre como se deve escrever uma boa trama - seja um conto, romance, filme ou novela - deve nos lembrar que é bastante fácil ver erros nos trabalhos dos outros, mas difícil perceber os nossos próprios. Isto nos mostra a necessidade de revisarmos o que escrevemos e também nos alerta para que sempre leiamos bons livros. Ter talento e criatividade para escrever faz a diferença, mas ler bons livros e escrever sem parar são os verdadeiros motores para que nos tornemos bons escritores.