POST IT - CASA DE INTOLERÂNCIA
Ouro Preto, Casa dos Contos. Setembro de 2010. Numa sala lateral -- vazia! -- encontro pequena exposição de cópias de imagens sacras, ricas e cuidadosamente elaboradas com técnica de colagem utilizando cartões e restos de jornais. Muito apuradas e com preços adequados. Encanto-me!
O Curador é atencioso e demonstra profundo conhecimento do tema. Fica entusiasmado com meu interesse pelas obras, a curiosidade sobre a história de cada uma delas. Enfatiza o valor daquela técnica de composição desenvolvida por artesãos de várias pequenas localidades do interior do Estado, fruto de muitos anos de experiência e aprendizado transmitidos de pais para filhos.
-- A exposição -- informa com visível emoção --, expõe e revela arte que estava escondida e merecia ocupar há muito tempo palco tão imponente e solene.”
Pergunto:
-- Quantas obras como essas não estariam ainda escondidas à mercê desses garimpos? Quantos artistas desconhecidos? Quantos ouros à nossa espera sobre vales, montanhas, grotões, dentro das casas, sítios, fazendas, pequenas oficinas, nas mentes e lembranças herdadas? Como encontrar tais preciosidades?
Pensa um pouco e responde, professoral:
-- Temos que prestar atenção, olhar para todos os lados, buscar principalmente nos lugares que julgamos improváveis. Estão por aí em toda parte. Se não estivermos ligados passarão por nós, ao nosso lado, e não as veremos. Mesmo porque muitos nem consideram especiais os próprios talentos. É preciso garimpar com bateia na mão. E ter paciência.
Lembrei-me de Tia Aurora que a cada indagação minha sobre qualquer assunto sempre provocava antes de responder: “Presta atenção, Zé! Tá tudo aí. Presta atenção primeiro para depois perguntar.”
O prédio abriga, no salão principal, bonita mostra de onze pintores brasileiros sobre o tema Copa do Mundo na África do Sul. Múltiplos estilos e competências: mosaico bem composto onde o que salta aos olhos é a rebeldia incoerente das cores do conjunto, não propriamente as partes. É a atração do momento e recebe muitos visitantes. Imagino-o num mural de rua ou em outro salão. Mas não deveria estar ali. A mim soou inadequado, quase heresia. Sinto muito!
O que mais chama atenção, no entanto, são os rastros da intolerância gravadas no teto e nas paredes: retalhos de belas pinturas e alegorias recentemente restauradas. Numa época de escuridão e arrogância haviam sido cobertas com tinta comum para apagar sinais e evidências de um período de liberdade criativa, de repente intoleráveis e não convenientes aos patrulhadores que se auto elegeram fiscais e algozes da moralidade alheia.
Será que aprendemos a lição? Temo que não.
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(18/09/2010)