A palavra, o discurso e o direito

Wilson Correia

Diante da acusação de impiedade e corrupção da juventude, adiantou alguma coisa Sócrates ter dito que acreditava nos deuses gregos e que só queria educar os jovens na sabedoria? Não! Ele teve que se envenenar com cicuta e morrer por volta do ano 469 a.C.

Após a denúncia de heresia pelo nobre Giovanni Moncenigo e perante o Papa da época, adiantou Giordano Bruno ter renegado aquilo que sabia (que o universo era vivo e infinito)? Não! Bruno acabou queimado na fogueira da Santa Inquisição, em 1600.

Resolveu alguma coisa Galileu Galilei (1564-1642) ter renegado o próprio conhecimento que lhe garantia que a Terra não era imóvel e nem o centro do universo? Não! Galilei foi condenado pela Igreja Católica à prisão perpétua.

Nesses três casos, o poder da palavra (invólucro de ideias, pensamentos, conceitos, preconceitos, mentalidade, mundividência, cosmovisão) acarretou os efeitos que selaram o destino de cada um daqueles homens. Foram vitimados pelo discurso socialmente produzido, legitimado, aceito e praticado de então. Pagaram com a própria vida.

Sócrates, Bruno e Galilei incorreram no contra-rito. Afrontaram a sociedade de discurso então prevalente. Viram-se sujeitados pelos grupos doutrinários. À época, suas ideias eram demasiadamente incômodas para ser socialmente apropriadas.

Sobre isso, Foucault afirma: "A maior parte do tempo, eles –os rituais da palavra, as sociedades de discurso, os grupos doutrinários e as apropriações sociais– se ligam uns aos outros e constituem espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de discurso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos. Digamos, em uma palavra, que são esses os grandes procedimentos de sujeição do discurso" (FOUCAULT, 1996, p. 44).

Sujeitar um discurso é sujeitar seu portador. É controlar, disciplinar e subjugar aquele que o profere. E isso porque não é qualquer um que pode falar, discursar, agir, conforme nos lembra Marilena Chauí: “... não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada, isto é, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir, no qual os lugares e as circunstâncias já foram predeterminadas para que seja permitido falar e ouvir e, enfim, no qual o conteúdo e a forma já foram autorizados segundo os cânones da esfera de sua própria competência” (CHAUÍ, 1980, p. 7).

Se o sujeito social não é aquele competente autorizado a falar, a discursar e a agir, mas sabe que fala e discurso são direitos inalienáveis, que entre na luta pelo poder nos campos fratricidas em que se estabelecem as relações de saber, poder e verdade.

Lutar por isso é fácil? Nunca foi. Os exemplos com os quais abri esse artigo o evidenciam sobejamente. Porém, viver sem lutar faria algum sentido? A vida sem pugna pelo direito teria algum valor?

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CHAUÍ, M. de S. ‘Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas’. São Paulo: Moderna, 1980.

FOUCAULT, M. “A ordem do discurso’. 3. ed. Trad. L. F. de A. Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 1996.