Auto-organização acadêmica: as dez potencialidades

Wilson Correia

Há dez possíveis potencialidades que podem ser identificadas como importantes em um movimento de auto-organização e autogestão acadêmica. Outras potencialidades podem ser arroladas e as colocadas a seguir podem ser revistas, suprimidas. Elas são notadas no momento vivido, mas são apenas indicativos de como a força de um movimento pode ser construída, para melhor ou para pior. Eis essas potencialidades!

1 Análise

A vida é sincrética, um amálgama de fatos, acontecimentos, fenômenos, seres, relações, saberes, poderes e verdades. A compreensão cognitiva da vida vivida pede análise, o exame exaustivo de um contexto existencial pessoal e coletivo para evidenciar como aquele amálgama do sincretismo cotidiano se articula. A ação pode ser consubstanciada pela síntese, reconfiguração do amálgama no sentido daquilo que ele pede em termos de ações programáticas e pragmáticas para sua transformação ou conservação.

Sabemos que o núcleo duro da vida fática é o poder. É o poder que delineia aquele amálgama da vida diária. É o poder que determina o que é um acontecimento, o cenário mesmo da existência particular e social, quais atores atuam e podem atuar nesse cenário, que relações ou articulações de forças materiais e humanas podem ou poderão estar envolvidas na ação daqueles atores em vista da transformação ou manutenção do cenário ou amálgama experienciados. Nessa atividade pode ficar clara as estratégias ou táticas necessárias a um movimento que começa.

2 Começo

A rigor, um movimento de auto-organização acadêmica, de uma comunidade educativa, já começa com a elaboração da análise, cuja qualidade influenciará tudo que dela decorrer, inclusive o começo da práxis.

A práxis envolve a teoria, que é a visão do panorama real vivido, articulada com a ação prática, com o agir propriamente dito. Visão sem ação e ação sem visão são maneiras vesgas ou mesmo cegas de se postar em face da realidade.

Mas mesmo tendo alto grau de percepção teórica e programática da realidade, a inocência, a ingenuidade e o fanatismo poderão permear um movimento de auto-organização de uma comunidade educativa.

Quem estará “maduro” para esse tipo de começo? Se considerarmos que não estávamos maduros para nascer, ir à escola, namorar, ser pai ou mãe, por exemplo, haveremos de convir que a maturidade humana relativa dentro de um movimento se constrói na movimentação. Já imaginou se nossa mãe, afetada pelo berreiro que fizemos quando ela nos levou para o primeiro dia de escola, se ela não tivesse nos deixado lá, com nossa imaturidade para sentar na carteira e vivenciar a realidade da escola? Se ela tivesse nos levado de volta, hoje estaríamos na universidade? Foi pelo fato de ela não ter feito isso que nos foi possível “aprender a nadar nadando”, aprender a escola sendo escolarizados.

Tirando isso, há que se notar que tudo o que amadurece tende a cair e a apodrecer. Em sã consciência, ainda que sempre inacabado e inconcluso, nenhum ser humano pode desejar ser plenamente “maduro”. Só para a morte podemos nos considerar assim, pois ela, depois do nascimento, é o único acontecimento absoluto sobre o qual nada podemos fazer, nem jogar com a nossa maturidade ou imaturidade.

3 Método

O método não existe. Se método é caminho, ele é aquela coisa que só se realiza ao ser feita. Ali está, no mapa, o traçado de uma trilha, mas ela só será real para você quando seus pés a percorrer.

Passos não são decididos ao bel prazer do caminhante. Em uma estrada asfaltada, os passos serão de um jeito; em uma via cheia de pedras, o caminhar será em outro ritmo, intensidade e toada.

Quero dizer que as condições objetivas e subjetivas interferem no modo de ação. Por isso se fala que não há método, que método se faz ao caminhar, que método é a própria pessoa, o próprio movimento. É caminhando que aprendemos a caminhar.

Porém, quanto mais claros fiquem os “amigos” do movimento, melhor. Que “amigos” são esses? O “O que” (bandeira, causa, luta), “Por que” (justificativa, motivo), “Quando” (em que tempo), “Como” (estratégias e táticas), “Com quem” (aliados), “Onde” (microcenários aliados a meso e macracenários ), “Para quem” (clareza sobre quem será influenciado positivamente com as conquistas do movimento), “Por quem” (atores efetivos e aliados do movimento). Isso é método e só pode ser estabelecido no durante da movimentação.

4 Desafios

São muitos os percalços a serem enfrentados. Aí, os mais graves nascem dos seres humanos, pois muitos ficarão contra aquilo de que o movimento é a favor. Isso no plano pessoal e, também, no campo institucional.

É preciso ter claro, nesse aspecto, que se luta contra o poder. E o poder instituído está em melhor vantagem, pois ele tem todas as máquinas em suas mãos e conta com a ingenuidade, a inocência e o fanatismo pessoais, bem como com todos os instrumentos de coerção pela força ou de convencimento pela ideologia.

Aqui pode se configurar uma verdadeira luta entre o gigante Golias e o franzino Davi, com a diferença que o segundo não dispõe, sequer, de uma funda e uma pedra, ao passo que o segundo conta com mísseis e canhões.

5 Teoria

Essa é a potencialidade da visão. O estudo prévio ao movimento é importante, mas o que se constrói durante sua realização também o é. Ele serve para se fazer a leitura de mundo mais aproximada daquilo que o mundo é e envolve em termos existenciais particulares, sociais, econômicos, políticos, ideológicos, entre outros.

6 Prática

A prática é outra coisa que se aprende praticando. Se a visão está clara para o movimento e ele sabe onde quer chegar, então ficará mais fácil a tarefa de se trabalhar com planos diferentes e simultâneos. Também será facilitado o trabalho de se planejar a curto, médio e longo prazos toda a ação do movimento. Aqui, o agir é a alma de tudo o que se refere ao movimento. Ver mas ficar de braços cruzados não leva a lugar nenhum. E agir é descruzar braços e pernas rumo ao objetivo traçado como digno de conquista.

7 Política

O homem é político. Nenhuma ação o isenta de fazer política. Pode não ser política partidária, mas estar no mundo é um ato político. Ter consciência de como o poder se vale do saber e das verdades consensuadas para perpetrar seus interesses é de fundamental importância, pois disso resultará a ação de quem faz o movimento e de suas alianças com vistas para as conquistas necessárias no âmbito pessoal, grupal, coletivo, social.

8 Alianças

Nenhum homem é uma ilha. Nenhuma instituição de ensino é uma ilha. Nenhum movimento é uma ilha. Todos são socialmente referenciados. Querer lutar sozinho é não ver a realidade em seu contexto. E, para tanto, as alianças são decisivas para que um movimento alcance seus objetivos. Quem tem interesse e poderá contribuir para nossa causa, nossa bandeira, nossa luta? Quando essa resposta é encontrada, os aliados estão postos.

9 Determinação

Determinada é a pessoa que tem foco. Foco é objetivo, é meta, é missão. Mas apenas saber onde se quer chegar não basta. É preciso a decisão firme de querer caminhar na direção do ponto de chegada. Dessa resolução depende o sucesso ou o fracasso do movimento. Não deixar o moral cair, evitar doenças, fraquejamentos, visões parciais ou cegueiras são providências essenciais para se manter um atitude altiva e de cabeça erguida diante do que é necessário ser feito.

10 Moral

O equilíbrio do moral aqui é aquele que evita os extremos da depressão vinda do fracasso ou a euforia nascida da vitória. Esses podem ser estados de espírito experimentados no começo, no meio e ao final de um movimento. Não devem exercer poder de sedução. A constância no propósito é o que mantém um moral elevado, que consubstancia a auto-estima, a auto-imagem e o apreço pela dignidade humana pessoal e coletiva. Eufóricos ou deprimidos, fazemos besteiras. O meio-termo é que alimenta o moral construtivo.

Conclusão

A esperança é a de que esses tópicos aqui sumariados e apenas aventados possam servir de roteiro a nós que fazemos e sofremos a academia. A nós que precisamos nos organizar para lutar por uma educação de qualidade, essa que é direito de todos porque mantida com o suor e o sangue de todos.