Steven Paul Jobs: o santo do capital

Wilson Correia

A morte colheu Steven Paul Jobs dia 5.10.2011, aos 56 anos de idade. A mídia fez desse fato em acontecimento global. Pudera: a maçã mordida, peça de crucial simbolismo no Ocidente, está sendo mundialmente degustada. Ela se faz imanente em produtos-coleiras, na penca de quinquilharias afins, eufemisticamente chamadas de “Acessórios exclusivos”. Em realidade, a badulaqueira aí referida serve para render lucros à corporação jobsniana, os quais, em última instância, resultam da soma de contribuições em dinheiro de cada consumidor.

E os lucros renderam! Jobs vai desta para outra à revelia de uma fortuna de US$ 6,5 bilhões (US$ 4,4 bilhões da parte que possui da Disney e US$ 2,1 bilhões acumulados na Apple). Milagre do fetiche da mercadoria, essa constatação que nos leva a outra: a racionalidade do sistema capitalista é, de fato, uma quimera. Quantas vidas Jobs e seus familiares teriam que ter para que pudessem desfrutar toda essa riqueza? A servidão voluntária à lógica da acumulação se justifica quando fome, miséria e morte por carência econômica gritam pedindo distribuição? O apelo egóico, idiota e individualista desse sistema dá sentido ao modelo existencial centrado no solipsismo, quando a dimensão coletiva da vida está aí, pedindo apenas que a enxerguemos?

Jobs foi humano? Demasiadamente humano! Tanto que elegeu a quintessência do personalismo egóico como lastro para as escolhas que fez. E as viveu até o limite da curva natural da existência. No fim dessa curva, deixou algo bem mais intrigante que milhões de dólares: legou-nos a afirmação do estilo existencial que, fincado no ter, é capaz de fazer a “mônada eu” ser catapultada ao reino do super-homem, destinado ao além do bem e do mal socialmente construídos. Tornou-se um semi-deus capital, esse que as sociedades do consumo e do cidadão reduzido à condição de consumidor possibilita a todos e todas quantos abram mão da sensibilidade para notar que a vida, para lá da idiotia, estende-se passos à frente do mundo do eu e meu.

Tempos confusos! “Devemos nos re-situar na pré-história do espírito humano. Estamos num jogo incerto/aleatório do regressivo/progressivo, simultaneamente dentro de revoluções selvagens e regressões bárbaras. Estamos na noite e na neblina, placenta informe, útero onde o sangue que nos nutre se mistura com a imundície” (MORIN, E. ‘Para onde vai o mundo?’. 2. ed. Trad. F. Morás. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 52).

Não se trata de salvar o mundo. Se existe salvador apenas para o que está perdido, não é essa a tarefa enfocada aqui. A questão relaciona-se à vida humana mesma, onde ela estiver. Reconcebê-la ou deixá-la à mercê de um sistema que nos quer voluntariamente servis a um modo de vida cujo teto é a acumulação para o ter, tornado a nova divindade e objeto de pura contemplação?

Do rumo que tomarmos nessa encruzilhada dependem os modelos societários menos irracionais e os estilos de vida mais interessantes. Talvez, nessa encruzilhada, descubramos que o Santo Steven Jobs em nada pode nos ajudar. Jobs se tornou aquilo para o que viveu: propriedade privada, pertença dos sacerdotes do capital. Ele é o hodierno santo protetor do ter. A nós o desafio é mais embaixo: em nossos ouvidos berram as ânsias do ser.