O preconceito intelectual

Wilson Correia

Ser professor não é apenas ter emprego, ocupação. É militar em um sistema educacional, o qual, como nos advertiu Foucault, é, entre outras coisas, "uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo" (1996, p. 44). Sim, o professor é aquele que professa, que fala, discursa. É um intelectual.

Segundo Sartre, o intelectual perscruta “as limitações sutis ou violentas do universal pelo particularismo e da verdade pelo mito, no seio do qual ele parece suspenso”. Assim, “pensa encontrar seu segredo e resolver sua contradição orgânica aplicando à sociedade de que é produto –sua ideologia, suas estruturas, suas opções, sua ‘práxis’– os métodos rigorosos que lhe servem em sua especialidade de técnico do saber prático: liberdade de pesquisa (e de contestação), rigor da pesquisa e das provas, busca da verdade (desvelamento do ser e dos seus conflitos), universalidade dos resultados adquiridos" (SARTRE, 1994, p. 33).

Todo esse trabalho encontra infindáveis obstáculos quando o sistema educacional é concebido, gerido e levado a cabo sob o imperativo da doutrina, entendida como um conjunto de preceitos, princípios e regras de conduta que se fecha à análise, ao exame crítico, à avaliação e à auto-avaliação. "A doutrina realiza uma dupla sujeição: dos sujeitos que falam aos discursos e dos discursos ao grupo, ao menos virtual, dos indivíduos que falam" (FOUCAULT, 1996, p. 43).

Esse círculo da sujeição discursos-grupo-discursos é que se torna a fonte dos preconceitos intelectuais. Eles pautam atitudes, comportamentos, decisões e ações previamente estabelecidas. Se o professor não se enquadrar ao que é previamente estabelecido, ele poderá se transformar em alvo de suspeitas (ainda que se conduza pelo esforço do desejo de justiça, da transparência e da busca da verdade); ser alcunhado como perigoso (ainda que tenha apenas ideias para manejar); e ser renegado (ainda que alimente abertura à multiplicidade e diferenças).

Além disso, a esse professor será destinada toda censura, toda malícia, toda distorção e rechaço pessoal, profissional, institucional, social, político e ideológico. É como se ele não tivesse legitimidade alguma sobre a qual apoiar sua atuação, por mais generosa e pública que seja.

Mas o que seria do professor se ele, analítico das mentalidades, não se pusesse a decifrar ideologias, buscar a recomposição da verdade histórica e identificar mitos? Se ele não se desse inteiramente à prática política (não me refiro à prática partidária) como uma das tarefas precípuas de seu ofício de militante e intelectual, conforme nos alerta Silva (2006, p. 159)? Seguramente o professor estaria impedido de fazer aquilo que lhe é básico: professar.

Aliás, é em nome disso que ele suporta até o opróbrio. E faz bem em seguir adiante e não desistir! As causas da educação e da sociedade, dos homens e mulheres vocacionados à vivência da justiça e da liberdade, além de sua própria dignidade, merecem essa sua determinação.

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FOUCAULT, M. “A ordem do discurso”. 3. ed. Trad. L. F. de A. Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

SARTRE, J.-P. “Em defesa dos intelectuais”. São Paulo: Ática, 1994.

SILVA, F. L. "O imperativo ético de Sartre". In: NOVAES, A. (Org.). “O Silêncio dos Intelectuais”. São Paulo: Cia. das Letras, 2006, p. 151-160.