A liberdade

Wilson Correia

A liberdade não é algo que possa ser essencializado em um pretenso conceito fixo que expresse a atitude ou o comportamento linear, em reto tom, único e em um único sentido. Porém, desde o século 18, o liberalismo burguês sustenta as liberdades individualistas: de pensamento, de ir e vir, de propriedade, escolha, exercício intelectual, crença, expressão, reunião, ação.

Sob o liberalismo, a liberdade é apanágio das mônadas, átomos humanos, para os quais a liberdade de cada um se estende até onde começa a liberdade do outro. É a sociedade dos indivíduos. Mas, para além disso, compreendo que a liberdade de cada um vai até onde alcança a liberdade alheia, sobretudo em contextos de grupos e comunidades auto-organizadas para desfrutá-la.

Com Cecília Meireles, creio que liberdade é “essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não compreenda”. Ela é vivência, luta e conquista. É o incerto e indeterminado.

Epicteto (55 d.C.-135 d.C.), em seu determinismo estóico, entendia que liberdade ou livre escolha é querer livremente aquilo que é inevitável, querer o que já foi querido e determinado ‘a priori’. Entretanto, inverto o raciocínio de Epicteto: liberdade é querer o inevitável porque é direito, o que não está em nosso ‘a priori’ socialmente predeterminado e socialmente legitimado, mas algo que desfruta a condição de um inevitável possível, no plano do ‘a posteriori’, do que há de vir.

Assim, o pretérito já decidido não nos dá liberdade. A liberdade está no futuro, essa promessa sedutora que ninguém sabe, ao certo, o que é quando vivida por sempre se situar no advir. Ela não se cristaliza em uma situação ou estado existencial, nem se congela em um modo de ser e estar no mundo. Liberdade é movimento, obra jamais concluída, pronta e acabada.

Tenho pensado a liberdade nessa perspectiva na academia, lugar onde ainda prevalecem ‘grupos’ e ‘agrupados’; e ‘guetos’, ‘igrejinhas’, ‘partidos’, ‘feudos’, ‘ovelhas’, ‘rebanhos’ e ‘doutrinados’. Percebo que identidades e subjetividades que passem ao largo desses novos ‘determinismos apriorísticos e pretéritos’, aparelhadamente construídos, recebem o ‘anátema sit!”, o ‘sejam excomungadas!”.

Desse modo, àquele que pensa diferente dá-se o ofensivo ‘título’ de ‘louco’. Relacionado a ele, aconselha-se: ‘cuidado!’. Dizem-lhe: “não se exponha tanto’, ‘fique no seu canto’. E se esse “louco” aí apóia causas adultas, isso não se conta. Mas se ele apóia movimentos juvenis, os doutrinados dizem que ele o faz, não por seu compromisso ético com a luta, mas, sim, por que também é ‘jovem’.

A deslegitimação daquele que ousa ser franco e honesto ao dizer o que pensa sobre questões afetas ao seu fazer acadêmico se faz por meio de uma ladainha de aleivosias. Ele vive toda forma de ataques, patrulhamentos, perseguições, excomunhões, isolamentos e queimações, todas, evidentemente, hipocritamente dissimuladas, distorcidas e negadas.

Mas, pensando bem, talvez seja melhor assim para ele. Para quem esperneia por liberdade, ser ‘queimado’ por certas figuras doutrinadas é uma honra. Sem contar que, entre doutrinação e liberdade, que valha a segunda trilha. No final das contas, nada paga o privilégio da sinceridade, esse estado da consciência que qualifica o estilo ético-existencial que os fracos jamais poderão experimentar (La Rochefoucauld). A conquista da liberdade pertence aos fortes.