A USP, a imprensa e a verdade

Wilson Correia

Entre as inúmeras mensagens que recebi em meu endereço eletrônico sobre meu texto “USP: repressão ou educação?”, postado aqui dia 7.11.11, duas me chamaram a atenção.

A primeira diz: “O Professor Wilson nos brinda com sua erudição, com o fundamentado artigo. Tenho a discordar da ‘autonomia da universidade’ vista sob a angulação meramente da pesquisa e prenhe de receios da autoridade-política se jactar sobre a universidade, acaso seja deferida a entrada e policiamento. Egresso que sou da universidade sob a sangrenta Ditadura Militar que se abateu sobre nós, só não posso confundir defesa de ‘maconheiros’ com atentado contra a autonomia da universidade.”

A segunda afirma: “...acho que a intenção da universidade foi a de proteger os próprios alunos, pois um crime aconteceu lá dentro. E se os alunos são contra, é um direito deles, mas também não seria violência tomar uma instituição à força, e depredar o prédio com pixações? Não concordo com a maneira como a polícia agiu com os estudantes, mas também não concordo com a maneira como os estudantes reagiram... quanto a educar a juventude sobre os perigos das drogas... acredito que lá não tem mais crianças. Todos são adultos, e estão cientes dos perigos do uso de drogas. E quem deseja comercializá-las ou usá-las, não deve fazê-lo dentro de uma universidade. Acho que as pessoas perdem a razão ao combaterem aquilo que rejeitam através de uma atitude exatamente igual.”

Não vou responder a esses comentários. Só lamentar que o circo da mídia submissa ao capital e aos governos ultraconservadores que o cultua tenha funcionado tão bem, a ponto de fazer com que pessoas inteligentes e bem informadas se passem por leitores ingênuos e desprovidos de senso crítico para bem avaliar a realidade vivida. E se a mídia –à qual interessa a versão, e não os fatos– consegue fazer isso com cabeças bem formadas, o que não estará aprontando com quem, à mercê da injustiça que grassa nosso país, sequer tem tempo para tomar ciência do quanto os governantes desalmados pintam e bordam sobre nossa dignidade?

Na esteira dessa pergunta, transcrevo aqui alguns trechos de artigos que considero lúcidos sobre a temática em questão.

Mário Maestri: “Com minha total solidariedade ao movimento [dos estudantes da USP], faço uma derradeira reflexão. Se, na Idade Média, um senhor reitor atirasse pela janela do seu palácio a valiosa autonomia conquistada pela cidade, chamando a polícia para atuar livremente no ‘campus’, certamente seria destituído por seus pares e, possivelmente, mandado para a masmorra da Universidade, para refletir melhor sobre sua vontade de subserviência ao príncipe! Coisas da Idade Média” (Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/mario-maestri-pela-volta-da-idade-media-a-usp.html).

CAF USP: “No âmbito da USP, esta intervenção militar assume um sentido ainda mais grave porque se soma a outras medidas repressivas, notadamente as perseguições políticas que vêm ocorrendo nos últimos anos. No momento, mais de 40 estudantes estão sendo ameaçados de expulsão definitiva da Universidade com base em um regimento disciplinar de 1972, escrito pelo ex-reitor da USP Luiz Antônio da Gama e Silva, também autor do Ato Inconstitucional Nº 5” (Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/reintegracao-de-posse-da-reitoria-da-usp-nota-a-imprensa.html).

Universidade em Movimento: “As imagens veiculadas em todos os noticiários falam por si. Hoje o tirano João Grandino Rodas deu provas definitivas de que é o mais autoritário, o mais covarde e o mais medíocre dos Reitores que a USP já teve. Provou que de fato merece o título (inédito) que lhe foi dado pela Congregação da Faculdade de Direito: 'Persona non grata'. Merece que todas as Congregações lhe deem esse título” (Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/rodas-provou-que-merece-o-titulo-inedito-de-persona-non-grata.html).

Shayene Metri: “A palhaçada organizada pelos policiais e alimentada pelos repórteres que lá estavam continuou por algumas horas. A imprensa ia contornando a reitoria, na esperança de alguma cena forte. Enquanto isso, PM e alunos estavam juntos, dentro da Reitoria, sem ninguém de fora poder ver ou ouvir o que se passava por lá. Quem tentasse entrar ou enxergar algo que se passava lá na Reitoria, dava de cara com os escudos da tropa de choque, até o fim. (...) Enquanto eu revia todo o horror da reintegração de posse, outras pessoas da minha sala mandavam mensagens para gente, de como a grande imprensa estava cobrindo o caso. Um ato pacífico, não é Globo? Não foi bem isso o que eu vi, nem o que o JC viu, nem o que centenas de estudantes presenciaram” (Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/shayene-metri-ato-pacifico-globo-nao-foi-bem-isso-o-que-eu-vi.html).

Sérgio Fonseca: “Mas, colocar a tropa de choque para agir em seu nome isola a mente, a cabeça pensante e, pior, destitui, deixa sem sentido, a condição da universidade como educadora, como escola no sentido mais amplo que essa palavra tem” (Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/sergio-fonseca-cabeca-ilustrada-em-corpo-de-jagunco.html).

Pesquisadores da USP: “Ao contrário do que tem sido propagandeado pela grande mídia, a crise da USP, que culminou com essa brutal ocupação militar, não tem relação direta com a defesa ou proibição do uso de drogas no campus. Na verdade, o que está em jogo é a incapacidade das autoritárias estruturas de poder da universidade de admitir conflitos e permitir a efetiva participação da comunidade acadêmica nas decisões fundamentais da instituição. Essas estruturas revelam a permanência na USP de dispositivos de poder forjados pela ditadura militar, entre os quais: a inexistência de eleições representativas para Reitor, a ingerência do Governo estadual nesse processo de escolha e a não-revogação do anacrônico regimento disciplinar de 1972” (Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/pesquisadores-da-usp-repudiam-invasao-dos-espacos-da-politica-pela-pm.html).

Eduardo Socha: “Parece natural, portanto, que setores da imprensa resolvam acompanhar (ou incentivar) o movimento de retração democrática indicado na pesquisa. Deixando de lado as teorias bizantinas sobre o papel deformador da 'mídia' (termo gasto, mas ainda funcional), é preciso reconhecer que aquelas artimanhas da direita mais carnívora na imprensa brasileira são paradoxalmente sutis. Consistem em reafirmar, por exemplo, com serenidade modernosa, o mito da imparcialidade do jornalismo, declarando ideologicamente o fim das ideologias. No plano da linguagem, impõem o estilo ‘clean’, adaptado à realidade dinâmica do mercado: pouca adjetivação, indiferença sintática e lexical quanto à natureza da notícia, simplificações que remetem ao consenso opinativo do repertório conservador da Casa Grande” (Fonte: http://www.viomundo.com.br/politica/eduardo-socha-a-pm-na-usp-e-o-desfile-da-victoria%e2%80%99s-secret.html).

Marilena Chauí: “Estou fazendo essa breve referência [a de que o filho dela nasceu um mês antes da hora por conta de uma carreira que ela teve de empreender para fugir da repressão militar] para que vocês se sintam parte de uma longa história. É uma história que não começa com vocês. Provavelmente, não terminará com vocês. E que passará aos seus filhos e, depois, aos seus netos, se este país continuar sempre desta maneira, em que, a cada manifestação de discordância, de oposição e de cidadania, a resposta for a polícia” (Fonte: http://youtu.be/uUgSGS0lUfA).

Estudantes da ECA: “Nós, estudantes de Comunicações e Artes da ECA/USP, viemos explicitar o nosso repúdio à maneira como a imprensa hegemônica tem exposto os acontecimentos recentes no campus da USP. Estamos constrangidos com a maneira preguiçosa e irresponsável como a imprensa e a televisão têm feito seu trabalho, limitando-se a vender o espetáculo originário de uma cobertura superficial e pautada no senso comum” (Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/alunos-da-ecausp-esta-sendo-praticado-o-antijornalismo.html).

Lara Santana: "Em depoimento, a estudante Lara Santana, presa durante a ocupação da Reitoria da Universidade de São Paulo, diz: 1. Os estudantes não produziram os coquetéis molotov apresentados pela polícia como sendo deles; 2. Uma estudante foi espancada e amordaçada pelos policias; 3. As mulheres sofreram ameaças verbais de policiais militares; 4. Os estudantes picharam as paredes, mas não provocaram a destruição atribuída à ação deles pela mídia" (Fonte: http://www.viomundo.com.br/denuncias/lara-santana-coqueteis-molotov-foram-plantados-na-reitoria.html).

Jorge Luiz Souto Maior: “Na onda ‘moral e cívica’ que histericamente se formou, essas pessoas estão sofrendo um verdadeiro massacre público, sendo agredidas por todos os lados. Mas, são só pessoas querendo expressar o seu sentimento e elegendo um meio de luta para tanto. São jovens que podiam não se importar com que se passa com os servidores ameaçados de dispensa por justa causa. Podiam não se importar com o futuro da Universidade, pois estão de passagem pelo Campus e com o Diploma universitário podem estar prestes a se inserir, exitosamente, no mercado de trabalho. Podiam, simplesmente, estar por aí sem muitos propósitos na vida. Mas, não. Estão lá, lutando, exercendo cidadania, aprendendo a se organizar, produzindo saberes, adquirindo experiência de vida, aprofundando idéias e debates… Só isso já seria motivo relevante para que as admirássemos, mesmo sem concordar com suas bandeiras ou métodos, apontando-os como açodados, inoportunos, radicais etc. Mas, não se há de esquecer que foram atitudes tomadas mediante forte emoção, ditada por um sentimento de injustiça e no calor de efervescência política em um ambiente universitário. O fato é que somente a partir de pessoas questionadoras, conscientizadas, inteligentes e lutadoras, como as que ora se mobilizam, o Brasil poderá, enfim, solver os seus eternos problemas” (Fonte: http://www.viomundo.com.br/politica/souto-maior-intransigencia-da-reitoria-da-usp-em-dialogar-pode-produzir-um-verdadeiro-massacre.html).

Imagino que essas falas possam ajudar no entendimento sobre o que se passa na USP. Fazer do olho da mídia mal intencionada os meus próprios olhos é atribuir poder em demasia a quem deveria ser fiscalizado pela cidadania, essa que, inteligente e de cabeça bem formada, dispensa o comando alheio porque sabe pensar por conta própria e, criticamente, aproximar-se mais da verdade, não se contentando com pífias versões que querem substituí-la.