O pelourinho mudou

Wilson Correia

Hoje é sábado. Sinto-me cansado. Não, não é fraqueza física. Apesar de, nos últimos dias, a correria me permitir vir em casa apenas para pernoitar; apesar da papelada atrasada e dos compromissos postergados para atender ao emergencial, minha fadiga é de outra natureza.

Pego-me moralmente acabrunhado. A dorzinha leniente, quase triste, cobre-me como um véu. Entre meu rosto e o mundo coloca-se, acintosamente, o tecido translúcido da indiferença, da fria injustiça, do não pertencimento e do silêncio que não apaga as frestas para o real.

Devo compactuar com esse “não dizer”? Nunca! Se o fizesse, meu cansaço sairia vitorioso de minhas forças éticas em migalhas. Além disso, se, por conta dessa fragilidade, minha resignação fosse aceita essa entrega viraria fatalismo, coisa em que não devo acreditar.

Arrepia-me saber que os funcionários terceirizados –maxiexplorados do capitalismo cruel– que servem à instituição federal de ensino à qual me encontro filiado tiveram que paralisar suas atividades porque, há mais de dois meses, não recebiam seus salários, necessários ao sal de cada dia (a volta deles ao trabalho não anula a indignação).

Um colega noticia, hoje: “Quero fazer o registro e me solidarizar com os colegas motoristas e porteiros do CFP/UFRB, que há dois meses não recebem seus salários e, por isso, paralisaram suas atividades. Infelizmente, essa lógica selvagem de exploração do trabalho alheio é uma prática recorrente entre empresas terceirizadas que recebem dos órgãos públicos o valor pelos serviços prestados, POR SEUS FUNCIONÁRIOS, mas [que], por falta de gerenciamento e/ou má fé, deixam pais e mães de família sem sua digna remuneração” (Kleber Peixoto).

Outra colega corrobora essas palavras: “Em um país cuja economia já alcançou recordes históricos de arrecadação de impostos (já somos a 6ª economia mundial), a meu ver, é inadmissível este tipo de tratamento com os nossos trabalhadores. Mas é claro que muitos irão se silenciar, afinal, o problema não atinge diretamente o patrimônio privado; o silenciamento se dá também por conta das amarras políticas nítidas de muitos de nós, que engessam o olhar crítico e endurece a alma e o próprio processo de humanização” (Cilene Canda).

Claro! Taiguara disse que “Viver é derrubar paredes”. Mas esse meu cansaço talvez tenha sua origem nesses paredões em que se tornam as almas endurecidas, perpassadas pela lógica selvagem do "levar vantagem em tudo", ainda que os mais violentados pelo capitalismo continuem a ser cotidianamente açoitados. Bem ali, sob nosso olhar.

Hoje, o pelourinho não está mais à nossa vista como aquela coluna de pedra, erigida em lugar público, junto à qual se expunham e se castigavam os escravos. O pelourinho mudou de endereço. Ele usa nossa indiferença como sua matéria-prima. Ergue-se por entre nossa insensibilidade, essa que lhe dá guarida e que pontifica o ganho ao custo de vidas humanas.

No primeiro semestre do ano em curso, assisti a uma greve de servidores técnico-administrativos por questões salariais. Vi, ainda, uma paralisação estudantil em prol da qualidade na educação. Agora, chega-me essa notícia, a qual deveria ruborizar faces minimamente briosas. Por isso, mais do que nunca, faz-se necessário o grito de que não devemos tolerar qualquer tipo de exploração.