Nós, machos e fêmeas

Wilson Correia

O Dia Internacional da Mulher, 8 de março, motiva o pensar sobre a condição da mulher na sociedade e no mundo. Entretanto, isso não é feito ao largo da condição masculina na sociedade e no mundo.

Sobre as mulheres, Beauvoir afirmou: “As mulheres de hoje [1949] estão destronando o mito da feminilidade; começam a afirmar sua independência; mas não é sem dificuldade que conseguem viver integralmente sua condição de ser humano. Educadas por mulheres, no seio de um mundo feminino, seu destino normal é o casamento que ainda as subordina praticamente ao homem; o prestígio viril está longe de se ter apagado: assenta ainda em sólidas bases econômicas e sociais” (BEAUVOIR, p. 7).

Dos homens, a mesma autora registrou: “A vida do pai é cercada de um prestígio misterioso: as horas que passa em casa, o cômodo em que trabalha, os objetos que o cercam, suas ocupações e manias têm caráter sagrado. Ele é quem alimenta a família, é o responsável e o chefe. Habitualmente trabalha fora e é através dele que a casa se comunica com o resto do mundo: ele é a encarnação desse mundo aventuroso, imenso, difícil, maravilhoso; ele é a transcendência, ele é Deus” (BEAUVOIR, p. 29).

Se a mulher não nasce mulher: torna-se mulher (como disse Beauvoir no mesmo livro); o homem também não nasce homem: torna-se homem.

O homem provedor sempre contou com o companheirismo da mulher provida. A feminilidade sempre se fez em paralelo com a figura da masculinidade. O homem independente sempre apostou na dependência da mulher. Se à mulher é difícil viver a condição de ser humano, ao homem essa tarefa também nunca foi fácil como pode ser fácil imaginar.

Homens e mulheres são educados por mulheres e homens (aquela mais fortemente presente na primeira parte do clico de vida de todos nós). Se a sociedade procriativa educa a mulher para casar, o homem ela o educa para fazer filho. O prestígio viril, assimetricamente estabelecido em relação à mulher (e a outros viventes do planeta) é o papel que a sociedade patriarcal reservou às pessoas do sexo masculino.

Bases econômico-sociais têm garantido esse estado de coisas. São elas que cunharam à figura masculina o trabalho hercúleo (senão impossível), de ser o Deus na Terra, o alfa e o ômega da célula mãe da sociedade: a família, fonte de todos os outros papéis reservados aos homens: garanhão, trabalhador, provedor, gestor, pensante (apenas), patriarca e imperador.

À sociedade administrada, da disciplina e do controle, parece cômodo ver-se qual metáfora do muro que vai recebendo tijolinhos humanos formatados em seus próprios sistemas educativos formais e informais. São esses esquemas formativos que fazem de nós, machos e fêmeas, peças úteis à engrenagem a serviço da maquinaria do enquadramento, desigualdade, indiferença e individualismo como modos existenciais legítimos, prontos para ser acatados e vividos cotidianamente.

Não se trata, aqui, de fazermos vistas grossas para as agruras históricas vividas pela mulher, mas, sim, de reconhecermos que uma sociedade fundada no patriarcado (como a que viesse a se fundar no matriarcado) sempre faz a balança da igualdade pender para o lado indigesto da injustiça. A supremacia de um sempre se institui à custa do não protagonismo do outro. Ambos, contudo, pagam a conta pelos papéis humanos, sociais, econômicos, ideológicos e históricos que lhes são previamente determinados.

Não sei se somente o viés do sexismo nos ajuda a entender a complexidade desse assunto. O sexismo tende a colocar em pólos antagônicos aqueles que são “metade vítimas e metade cúmplices”, como disse Sartre em uma epígrafe ao livro “O Segundo Sexo” de Beauvoir.

O fato de termos erigido modelos sociais que transformam diferenças em desigualdades parece ser o nó górdio de toda miséria na qual nos vemos quando o assunto é o que se refere aos nossos papéis sociais.

Consertar séculos acumulados de dificuldades nesse campo é dose para machos e fêmeas, para os quais, talvez, o melhor caminho possa ser o da humildade ôntica: aquela que nos leva ao reconhecimento mútuo de que somos parceiros de uma mesma espécie e cuja tarefa maior ainda é a de nos darmos os braços. Para isso, ambos, machos e fêmeas, precisamos de outra educação.

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BEAUVOIR, Simone de. “O segundo sexo”. Trad. S. Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.