Os inimigos da universidade autônoma

Wilson Correia

A universidade é uma instituição social autônoma.

Como instituição social ela abriga opiniões, atitudes, práticas e posturas divergentes, antagônicas e conflitantes, posto que é campo complexo em que se entrecruzam relações de saber-poder. E é bom que assim seja, pois sem debate de idéias e embate de teses relativas ao destino humano na sociedade e no mundo, para que serviria a instituição voltada para a produção, mobilização e emprego de conhecimentos?

Como instituição autônoma a universidade (assim instituída desde que foi criada, ainda na Idade Média) não deve se curvar a forças, poderes e ingerências que venham a lhe atacar desde o extramuros universitário. É na condição de ente auto-regulado que a universidade pode, e deve, passar ao largo da instrumentalização que dela querem fazer os governos, as igrejas e outros segmentos existentes no interior da sociedade.

No entanto, como a marca sócio-autônoma da universidade não é algo dado, pronto, acabado, que se cristalize como eterno e imodificável, é pela luta de alunos, professores e de diversos profissionais da educação que a natureza social e o caráter autônomo da universidade são relativamente alcançados, a duras penas. E é essa luta que, agora, parece requerer mais esforços de todos nós.

De um lado, poderes econômicos gigantescos atentam contra a autonomia universitária, ao querê-la submissa aos imperativos do mercado capitalista. Isso está acontecendo desde o Consenso de Washington, aquela reunião do ano de 1989, que, para coroar a hegemonia liberal, conquistada graças à derrocada da maior parte das experiências socialistas ao redor do mundo, prescreveu a minimalização do Estado para os direitos sociais, sobretudo daqueles relativos à infraestrutura, saúde, segurança e educação.

De outro, poderes político-partidários e governamentais também atentam contra a autonomia universitária, por verem nela um “nicho” em que o cabresteamento político de parcelas carentes da sociedade tem de ser capitalizado em benefício de projetos de poder que passam longe de sérios e compromissados projetos de nação para o Brasil.

Nessa segunda perspectiva, todas as instituições de ensino superior brasileiras passam por agruras sem precedentes. Grupelhos oriundos dos movimentos sociais e de partidos políticos de cariz totalitário e excludente tentam fazer da universidade um local em que o debate livre de ideias e o livre pensar que o sustenta sejam diuturnamente asfixiados. Aí, gestos, ações e atitudes que visem ao pluralismo e à convivência democrática das diferenças no interior da universidade são sumariamente criminalizados e seus proponentes perseguidos de maneira vil, nojenta e abjeta.

Ilustra essa segunda tendência o que está acontecendo na Universidade de São Paulo (USP), mas não apenas nela. Na USP, o atual reitor parece realizado por ter sido homenageado por uma revista com o título de “xerifão” –assim mesmo, à base do prosaico, chulo e chão mais vulgar que se pode ver. Longe, pois, de títulos tais como “acadêmico”, “intelectual” e assemelhado. A esse desatino uspiano parece se perfilar outra universidade paulista: a UNICAMP, onde também há candidato a “xerifão”.

Os reveses presenciados nessas duas universidades são ilustrações de como o modelo econômico e as forças políticas, assim erigidas graças ao poder do consumo e do voto popular, têm instrumentalizado a instituição universitária ao seu bel prazer.

Diante disso, cumpre-nos ficar alertas. De uma universidade heterônoma é de que não precisamos. Sem liberdade e cultivo do senso de justiça e pluralidade não pode haver conhecimento que nos faça mais humanos e fraternos, exatamente o que nos parece crucial nos dias atuais.