O serviço público e o princípio da isonomia

Wilson Correia

Dallari sustenta que o acesso ao serviço público é direito fundamental do cidadão. Segundo ele:

“... todo brasileiro tem constitucionalmente assegurado o direito de, por qualquer forma, participar da administração pública, direta ou indiretamente, mesmo quando ela se apresenta com uma roupagem de pessoa jurídica de direito privado. Para que se tenha uma idéia da importância do tema, basta dizer que ele figura no texto da Declaração Geral dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações unidas em 10.12.1948, com o seguinte enunciado ‘Cada indivíduo tem o direito ao ingresso, sob condições iguais, no serviço público do seu país’” (DALLARI, 2006, digital; 1992, p. 28).

Desse modo, o princípio da isonomia se fundamenta em um direito básico da pessoa humana e do cidadão. Sobre ele, Ataliba afirma:

“Não teria sentido que os cidadãos se reunissem em república, erigissem um estado, outorgassem a si mesmos uma constituição, em termos republicanos, para consagrar instituições que tolerassem ou permitissem, seja de modo direto, seja indireto, a violação da igualdade fundamental, que foi o próprio postulado básico, condicional da ereção do regime. Que desse ao estado –que criaram em rigorosa isonomia cidadã- poderes para serem usados criando privilégios, engendrando desigualações, favorecendo grupos ou pessoas, ou atuando em detrimento de quem quer que seja. A ‘res pública’ é de todos e para todos. Os poderes que de todos recebem devem traduzir-se em benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. De nada valeria a legalidade, se não fosse marcada pela igualdade”

E ainda:

“Nos casos em que as competências dos órgãos do Estado –e estes casos são excepcionais- não se cinjam à aplicação da lei, ainda aí, a isonomia é princípio que impera e domina. Onde seja violado, mistificado, fraudado, traído, há inconstitucionalidade a ser corrigida de ofício ou mediante pronta correção judicial. Toda violação da isonomia é uma violação aos princípios básicos do próprio sistema, agressão a seus mais caros fundamentos e razão de nulidade das manifestações estatais. Ela é como que a pedra de toque do regime republicano” (ATALIBA, 1985, p. 133).

A igualdade aí manifesta se justifica em nome da ‘res publica’. Diferenças tornadas desigualdades e injustiças abrangendo as esferas econômicas, sociais, étnicas e quejandos, deveriam ser consertadas pela sociedade em suas fontes.

Querer tratá-las mediante instauração de privilégios meramente jurídico-administrativos (editais) pode parecer o caminho mais curto para repará-las, mas isso pode, também, criar castas, grupelhos e guetos. Ora, afirmação de particularismos que, por ventura, esses segmentos ostentem pode levá-los à condição de entes acima do “bem” e do “mal” implicados no âmbito legal. Daí a função da universalidade do princípio da isonomia, para evitar que, entre os “os animais” que são “iguais”, “alguns” venham a se tornar “mais iguais do que os outros” (ORWELL, 1982, p. 130).

Até onde consigo entender, concurso público não depende de sorte, porque não é loteria. Ele não se atrela, ainda, a dispositivos que tentam “acertar contas com disparidades humanas e sociais” um passo à frente de suas raízes. Corrigir os efeitos de nossas injustiças via privilégio cunhado em edital de concurso público parece boa saída. Mas só parece, pois para trás ficarão as suas causas, as suas fontes. A raiz dos desatinos que praticamos, na desigualdade que se configura como a injustiça que sofremos (‘pathos’), é que deveria ser atacada.

Fontes:

ATALIBA, Geraldo. "República e constituição". São Paulo: RT, 1985.

DALLARI, Adilson Abreu. 'Princípio da isonomia e concursos públicos'. "Revista Eletrônica de Direito do Estado". Salvador: IDPB, n°. 6, abr./maio/jun. 2006. Disponível em: <http:WWW.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 22 mar. 2012.

DALLARI, Adilson Abreu. "Regime constitucional dos servidores públicos". 2. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 1992.

ORWELL, George. "A revolução dos bichos". Trad. Heitor Ferreira. São Paulo: Abril Cultural, 1982.