O perigo da Filosofia

Wilson Correia

Quando, na Antiguidade grega, Aristófanes representou o instigante e perguntador Sócrates como alguém com a cabeça nas nuvens, será que Aristófanes considerou o perigo socrático e a cicuta que mataria o praticante da maiêutica? Onde a ameaça de uma cabeça que pergunta? Ela pode mesmo propagar impiedade e corromper a juventude?

Platão, também da Grécia Antiga, se viu enroscado e preso diante de seus embates com o poder político estabelecido. Platão era um terrorista? Desde quando ideias podem aterrorizar? Onde reside o perigo da prática filosófica de um idealista, quando a realidade bruta que pisamos nos adverte que não devemos acreditar em quem vive no mundo das ideias?

No episódio em que, em 1784, Frederico Guilherme, rei da Prússia, acusou Kant de desvirtuar-se da verdadeira missão de um “mestre da juventude” e de se posicionar “contra nosso propósito paternal, que o senhor [Kant] conhece muito bem”, qual era mesmo o motivo da reprimenda e o temor de Sua Ínclita Majestade? Podia um livro sobre ‘A religião dentro dos limites da razão’ causar algum terremoto no reino defendido por aquele rei?

Nos inícios dos anos 1960, salvo engano, a carta aberta de um estudante de filosofia desafiando filósofos do mundo a irem a Praga para um Seminário Filosófico em que iam discutir Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, entre outros, atraiu filósofos de várias partes do mundo à Tchecoslováquia. Reprimidos e presos, aqueles filósofos tiveram de realizar seus debates clandestinamente. Qual era o temor do regime então vigente naquele país quando se temia a presença de pensadores em suas paragens? Ideias podem abrir um sistema fechado, no qual a pretensa ideia de justiça planificada se acha no direito de extirpar qualquer possibilidade de exercício da liberdade relativa próprias aos seres humanos?

Durante o Regime Militar no Brasil, de 1964 a 1985, "criado" em nome da defesa do capitalismo e de um golpe em nome da Ordem e do Progresso, muitas cabeças pensantes, não apenas da área da Filosofia, foram perseguidas, presas, torturadas, exiladas, mortas e desaparecidas. Pensamentos têm ímã para atraírem perseguição, cadeia, tortura, exílio, morte e desaparecimento? Intrigante isto: a atividade de pensar seduz o ato de massacrar?

Dupla, então, é a condição da Filosofia: ao propiciar ao humano o exercício daquilo que o distingue dos demais viventes de modo especial -o ato de pensar- ela acaba parindo inimigos por todos os lados. Inimigos ativos, que entram em ação para salvaguardarem aquilo que julgam ameaçado pelo simples ato de pensar, produzir ideias e perguntar a respeito do que é de um jeito quando poderia ser de outro modo, bem diferente e potencializador do que de humano habita em nós.

A tentativa de sufocar a Filosofia parece ser uma regularidade histórica. Também pudera! A Filosofia remexe os conceitos, tal como a doceira revira seu doce até chegar ao ponto.

E o ponto, suspeito, é que ao remexer conceitos, o humano chacoalha a própria subjetividade, reposiciona a própria identidade e, com isso, transforma-se. Ora, aí reside o perigo da Filosofia: perguntas, ideias, pensamentos podem transformar as pessoas e (o grande crime!) pessoas transformadas podem transformar o mundo!