Afinal de cotas!

Wilson Correia

Se a vida humana se colasse a uma materialidade bruta, ela pouco diferiria da dos animais desprovidos de inteligência simbólica.

O encanto do humano no mundo é justamente essa potencialidade que ele apresenta de criar, transcender-se a si mesmo, deixar para trás a vida espartilhada pelo instinto fixo e inamovível.

Aí a estilística existencial possível em meio à dialética que nos cunha entre a necessidade e a liberdade. Liberdade relativa, claro! Mas, mesmo assim, liberdade.

Se me prendessem, penso que me daria à morte, feito o peixe que sai da água e faz do próprio corpo um serpenteamento tresloucado até o suspiro final.

Sou da opinião de que Nietzsche exagerou quando propôs a solução da modelagem do super-homem como saída para nossas mesquinharias, cordeirices e humilhamentos. Porém, sou simpático à ideia dele de que o verdadeiro humano é o que se coloca para além do bem e do mal arbitrariamente decididos no seio e ao longo da história.

Sim! Certo desprezo pela padronização de papéis sociais, estereotipias e quejandos só fazem alargar aquela nossa liberdade relativa de que falei lá no início.

Pois bem! Tive esses pensamentos agora no início da noite, ao ler a notícia de que o Supremo Tribunal Federal deu por constitucionalissimamentissimamente correta a aplicação das políticas das cotas em nossas universidades.

Faliram os direitos humanos. Faliu a declaração universal dos direitos do homem e do cidadão. Faliu nossa capacidade de fazer justiça distributiva e equitativa (alguém saberá claramente o que isso quer mesmo dizer? Sou simpático à ideia de que essas ideias nunca vingaram entre-nós...).

Não sou contra nenhuma etnia. Eu sou uma síntese de todas as etnias. Não estou etnizando o debate. Queria, caso estivesse ao meu alcance, universalizar o mérito e a valorização das ações de quem não introjetou a ética da subserviência em pretéritos tempos e, agora, querem, por vias do mais curto, chamar à forra. Odeio essa ideia!

Interessante notar que quem aprendeu a ser servo voluntário, agora pensa que nada custa a todos os outros humanos se filiarem na mesma posição para que alguns dentre os ex-servos cresçam, sobretudo economicamente (a tal mobilidade social só é possível pelo apertar e soltar a mola do econômico).

Como sou companheiro do humano, detesto qualquer tipo de servilismo. Odeio, também, toda forma de privilégio... Que tal trabalhar, fazer valer direitos universais, cumprir deveres particulares e grupais?

A democracia representativa moderna é um fiasco. A economia capitalista é uma afronta. A ética individualista é uma obtusidade.

Como não sou a favor da existência de nenhum senhor e de nenhum escravo, de nenhum incluído porque isso implica a existência do excluído, que reinventemos nosso modo de ser e estar no mundo. Que recriemos nosso modelo de sociedade! Que, enfim, reinventemos nosso próprio ser!