Pensar é um risco

Wilson Correia

Quem disse que pensar não dói quis foi nos enredar em um engodo. Pensar é mais que a não dor. Penar é um risco.

Quem aceita o desafio de pensar pode até manter o corpo sem dor, mas pouco poderá fazer quando, pensando, atrair o sopro da liberdade que balança o dogma, oscila a autoridade e pendura a fé no triz da autocompreensão das coisas.

Pensar, e, mais ainda, pensar por conta própria, pode fazer o sujeito se dar, perigosamente, ao desejo de autonomia, autodeterminação e senhorio do próprio ser. Isso é gravemente periclitante em uma sociedade e em um mundo em que nos querem cordeiramente mansos, ontologicamente desreferenciados e existencialmente servis.

Pensar pode levar a pessoa a julgar criticamente e a criteriosamente se posicionar diante da sociedade do controle, da rede de instituições sociais disciplinares, da mídia que cospe ordens no imperativo, do mercado que manda comprar isso, aquilo e a somente consumir, como se esse estilo de vida fosse o teto máximo possível à realização humana no mundo.

Pensar pode levar o filho a chamar os pais para um diálogo, fazer o aluno querer um papinho com o professor, induzir o crente a pedir esclarecimentos ao padre e a colocar sob valoração os atos dos aparelhos ideológicos e repressivos do Estado. Pensar pode possibilitar ao cidadão separar o joio do trigo e a empunhar bandeiras ariscadas por mais justiça, mais liberdade, mais humanidade para o homem e para a mulher.

Aliás, foi o ato de pensar que fez de Sócrates “persona non grata” para a aristocracia de seu tempo, que levou Giordano Bruno à fogueira e motivou a decapitação de Thomas Morus e à condenação de Galileu Galilei. Pensar conduziu ao desterro, ao exílio e à morte milhões de humanos, por mil formas diferentes. Pensar é um risco e isso deveria ser sopesado a cada ideia que nos visita, a cada noção que se aproxima de nós, a cada conceito ou opinião que nos assalta.

Pensar pode mesmo provocar no humano a libertação pessoal de si em si e para consigo mesmo e em suas relações com os semelhantes, a sociedade e o mundo. E se o risco de estar vivo é poder morrer a qualquer instante, então todos os outros riscos se tornam menores. Entre todos esses riscos menores, o maior deles é o de pensar –esse ato que pode fazer com que queiramos ampliar nossa liberdade relativa e a esmigalhar nossas injustiças capitais.