Universidade: quando quem manda é o mercado

Wilson Correia

Ao final do século XX, em 1989, veio abaixo o Muro de Berlim. Ele foi o emblema do grande muro que separou ideologias, Estados e pessoas entre as que tinham uma mundividência capitalista e aquelas que ostentavam uma cosmovisão socialista.

Caiu o muro e subiu o liberalismo, reafirmado como “neo”. Passamos a conhecer, então, a chamada hegemonia do individualismo possessivo, da ética individualista e do império dos mercados, com destaque para o lado financeiro da vida.

A “mão invisível” de Adam Smith desatou a prestidigitar a lei da oferta e da procura: nada naturais, mas socialmente produzidas, embalando-nos na rede da concorrência e da competitividade.

Como essa mão não é nada pequena, ela delineou a sociedade do conhecimento, necessitada, também ela, de uma universidade do conhecimento, tripartida em Primeiro Ciclo (Bacharelados Interdisciplinares), Segundo Ciclo (Licenciaturas) e Terceiro Ciclo (Centros de Excelência em Pesquisa).

La fora, na Europa, graças ao Processo de Bolonha, foi criado o Sistema Europeu de Educação Superior, o qual, para ser comum e permitir a mobilidade, equiparou sistema de creditação e flexibilizou o currículo sob o conceito de interdisciplinaridade. Aqui, no Brasil, o projeto de Universidade Nova e, em seguida, o REUNI, amplamente influenciado por esses processos, aderiram incontinentes a esses novos imperativos.

Hoje, falar de políticas que integrem ensino, pesquisa e extensão se tornou uma afronta. O sistema está fragmentado entre instituições que não profissionalizam, outras que são “auleiras” e outras, ainda, que, aí sim, fazem pesquisa.

Hoje, os olhos de certos gestores, docentes e demais profissionais da educação superior brilham quando se fala em números, estatísticas, milhares de reais competitivamente amealhados por projetos em editais, também sazonais, que não se prestam a propor, executar e consolidar uma política republicana para a educação superior.

Hoje, quando um docente solicita seres humanos para, por exemplo, implementar um periódico na área de humanas, ele tem de estar com o ouvido bem aberto para ouvir, na lata e de chofre, um sonoro “não!”. Como “não” foi o termo usado para excluir, por exemplo, a Filosofia do Projeto Universidade Sem Fronteiras, do Programa Licenciaturas Internacionais, UPT – Universidade Para Todos e medidas assemelhadas.

Não há, sequer, a disposição de analisar a matéria quando o assunto é contemplar as humanas nesse tipo de política, visto que, a priori, já se decidiu onde e em que “nichos” tecnológicos serão “alocados” os recursos disponíveis, pois o formar para o mercado de trabalho requer essa subserviência do humano à mundividência tecnocientífica.

E a mão invisível continua a estilhaçar a autonomia universitária, nela introduzindo os imperativos heterônomos da mão invisível, da lei da oferta e da procura, da competitividade, da servidão voluntária ao totalitário capitalismo em suas mais diversas expressões, onipresença e plenipotência.

Hoje, se o assunto é produção discente, não se fala mais em “conceito” ou “nota” como coroamento de processos de ensino, aprendizagem, pesquisa, extensão e avaliação, pois o fetiche do “score” é o indicativo da pontuação de quem, melhor aquinhoado em números e quantidade, pode continuar a desfrutar as benesses quantitativas do sistema, ao largo de uma produção balizada pelo valor e pela qualidade.

Hoje, impera o conceito de “demanda”, termo suspeitíssimo que o mercado usa para passar longe de nossas humanas necessidades. É a procura como pólo equilibrador de uma oferta igualmente que regulada pelo mercado. E assim vamos nós...

Aonde vamos? Para onde caminhamos? Para um modelo societário tecnologizado que aniquila o humano? Será que estamos instaurar um novo muro intransponível entre o humano e o tecnológico? Quem, aí nessa relação, nasceu para quem? Será que o feitiço tecnocientífico tem mesmo que fagocitar o humano feiticeiro?

Estou cá meio em desalento porque não vejo como responder pela negativa a essas indagações. E ando meio descrente com tudo isso. Mas eu poderia experimentar estado de ânimo diferente, quando sei que na universidade de hoje quem manda é o mercado?