Greve: as ruínas do REUNI

Wilson Correia

Parece que a atual greve dos professores das universidades federais está causando espécie apenas em quem ignora os meandros da atual universidade brasileira, cujo enredo, desde as reformas do Estado e da educação dos anos 1990, obriga-nos a falar de Processo de Bolonha, Universidade Nova, REUNI e seus famigerados guarda-chuvas: o neoliberalismo e a mundialização econômica.

A hipótese do fim da história, nascida entre as décadas de 1980 e 1990, já sinalizava para o alcance da hegemonia pelo capitalismo e pelo seu modelo societário de mercado. Entrávamos, disseram-nos, na fase de emergência da sociedade do conhecimento, na qual a celeridade dos avanços tecnológicos reivindicava o condão de nos trazer qualidade de vida e realização jamais conhecidas pela humanidade.

Foi na esteira dessa concepção que o Processo de Bolonha veio a ser arquitetado, segundo os princípios da atratividade, competitividade, flexibilidade e mobilidade no espaço comum europeu de educação superior. Alinhado, assim, aos imperativos mais amplos do neoliberalismo e da mundialização econômica, esse processo não tardou a motivar a proposição da Universidade Nova européia e do REUNI brasileiro.

Esse REUNI (Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais), possibilitou o alcance de metas quantitativistas incontestes: a criação de 14 novas universidades e a implantação de mais de duas centenas de centros de educação tecnológica. Isso, claro, aumentou significativamente o número de vagas ocupadas nos cursos de graduação e acarretou o assoberbamento de atividades do pessoal docente.

De outra forma, medidas para garantir a qualidade dessa expansão e reestruturação parecem não terem recebido o mesmo tratamento. Hoje, convivemos com problemas elementares nessas universidades, entre eles: falta de professores, carência de laboratórios, necessidade de ambientes adequados para salas de aula, inexistência de restaurantes universitários, não existência de moradias estudantis, sendo que até bebedouros e papel higiênico chegam a faltar para essas comunidades acadêmicas.

Além disso, o salário de professores e servidores técnico-administrativos sofre distorções espantosas, coisa que só uma política público-republicana para a educação poderia corrigir. As carreiras, de uma e outra classe, parecem degringoladas ao ponto de desestimularem aqueles que, um dia, sonharam em dedicar-se à educação pública de referência social, oferecida como direito, como assegura nossa Constituição Federal.

E as ruínas do REUNI não param aí. Dada a atual conjuntura refratária para movimentos sociais, sindicais e políticos populares, defensores de nossos direitos históricos, partidos políticos inescrupulosos bolsificam a sociedade para angariarem o apoio da massa, essa que não dispõe de instrumentos para analisar a vida vivida e emitir juízos valorativos sobre o que lhe toca o nariz –indiferente que é diante das práticas patrimonialistas e clientelistas que, rebatizadas, prosseguem com política do jeito e da improvisação em lugar de políticas de Estado para os direitos sociais.

Na relação Estado, sociedade e educação, imiscui-se uma quarta força: a mídia. Essa, qual partido político entre agremiações políticas –e de viés (ultra)conservador–, em lugar de perscrutar a verdades nos acontecimentos e fatos dos processos humanos e sociais por que passamos, prefere fazer o jogo de uma elite obtusa que, no discurso, valoriza a educação, mas que, na prática, relega-a a um raquítico último lugar em suas prioridades.

No discurso, a educação é tudo; na vida concreta, ela é algo programado para não funcionar. Só isso justifica a atual greve dos professores das universidades federais. Porém, nosso cotidiano mostra que há governantes que não querem entender isso e se esquecem que são empregados do povo, esse que recolhe tributos e impostos para tê-los de volta na forma de saúde, segurança e educação.

Respeito à dignidade dos professores e professoras que fazem e sofrem a educação superior brasileira é outro tesouro que nos falta. E essa carência nos enche de indignação, tanto mais quando culpam os professores pela educação de faz-de-conta a que assistimos, submetendo-os aos cassetetes da política e a ameaças costumeiras a quem exige justiça e liberdade para poder conceber com mais justeza nosso projeto de nação.

Tanta ruína nada reúne. Aliás, é com essas ruínas do REUNI que a sociedade brasileira quer formar o homem e a mulher de que nossa nação necessita nesse venturoso século XXI?