Maquiavel, Lula e Maluf: eu mereço?

Wilson Correia

Maquiavel (1469-1527), autor de ‘O príncipe’, sugeriu o caminho para o entendimento da política como campo regido por regras próprias, fora, pois, das injunções morais e religiosas de uma sociedade.

Entre suas ideias constam as que garantem ao príncipe a legitimidade egoicocentrada para o uso da força repressiva do Estado, outras que semeiam o conceito de ‘virtù’ e mais algumas sobre a ‘fortuna’, adstritas ao universo do poder político.

Ao homem público é colocado o desafio de desenvolver a ‘virtù’ de modo a poder assimilar os eventos políticos, muitos dos quais independentes da vontade humana do príncipe, vez que ocorridos sob a égide da ‘fortuna’ (‘sorte’ ou ‘destino’).

Se do equilíbrio entre ‘virtù’ e ‘fortuna’ é que depende a permanência no poder, no entremeio, o príncipe, visando à manutenção da pátria, estaria autorizado a executar as ações que isso exigir. E, aí, não há ação boa ou má, reservando-se à história a tarefa de oferecer os elementos necessários para essa valoração.

Assim, em nome do jogo próprio da política, e da ideia de manutenção do poder e da pátria, o governante poderia lançar mão da força repressiva estatal para perpetrar toda sorte de violência contra quem estiver à sua frente.

Pois é! Lula causou alvoroço dia 10/05/2008, quando afirmou, aqui na Bahia, que “Quem fala a verdade, conversa até com o diabo”. Hoje, ao ver Lula na casa de Maluf, apertando-lhe a mão, percebo que o ex-presidente não estava usando apenas uma figura de retórica político-partidária naquela ocasião.

Maluf é adversário histórico do PT. Em 1988, Erundina enfrentou o sujeito na campanha para a Prefeitura da capital paulista. Em 1989, Lula e o homem das contas em paraísos fiscais se confrontaram na campanha à presidência da República. Em 1992, sobrou para Suplicy o embate com o político do “Rouba, mas faz” ou do “Estupra, mas não mata!”. No ano de 2000, Marta foi bola da vez e, pelo que vi e ouvi, Maluf a espinafrava, não como adversária, mas, sim, como inimiga figadal.

Aliás, Maluf não se fez inimigo apenas de Marta. Durante as greves no ABC paulista, comandadas por Lula, ele governava o Estado de São Paulo e usou descomedidamente (segundo Maquiavel, claro!) todo o aparato repressivo do Estado para bater nos trabalhadores, fazendo, desse modo, o gosto dos militares de cuja ditadura o agora companheiro de Lula foi fiel colaborador, do princípio ao fim.

Entendo a reação de Erundina (indicada ao posto de vice na chapa que o PT apresenta à corrida à Prefeitura de São Paulo, mas que, depois do ‘malulismo’, ameaça abandonar a proposta) ao ver a foto de Lula ao lado de Maluf, na casa desse segundo, em efusivo aperto de mão: “É demais para mim!”, disse Erundina.

Em uma época em que a juventude anseia por um mínimo de decência na política e em que os mais vividos exigimos limites na luta pelo poder, a mim só me resta indagar: Eu mereço? Que ‘virtù’ suficientemente forte seria necessária para que suportássemos e tolerássemos esse tipo de maquiavelismo, aziago e sem nenhum pudor?