Nossos golpes de cada dia

Wilson Correia

O célere processo paraguaio que destituiu Fernando Lugo do poder impressiona pelo atropelo ao devido processo legal e pela negação do amplo direito de defesa. Os interesses conservadores falaram mais alto e, em um acordo protagonizado por forças descontentes como os rumos daquele país, arquitetaram e executaram golpe aparentemente legal, o qual está se revelando profundamente imoral, até mesmo se o analisarmos na perspectiva da ‘realpolitik’. Agora, estarrecidos, líderes das democracias vizinhas condenam o ‘impeachment’ de Lugo e tentam remediar a situação.

Nesse embate, as forças conservadoras ligadas aos interesses capitalistas e de suas sociedades de mercado e de grandes corporações mostram-se ativas e engenhosas em como conspirar, e efetivamente aniquilar, aspirações das classes populares, dos trabalhadores e dos sem bens materiais, sociais e culturais. E não é apenas no país vizinho que essas potências se levantam. Aqui no Brasil ela age muito rente aos movimentos que tentam consolidar a democracia, uma infante prenhe de história possível.

O contraponto a esse tipo de nefasto poder, como foi dito, nasce dos setores historicamente excluídos pelo capitalismo, sistema que se agiganta para controlar o Estado e a sociedade civil, mostrando que a velha divisa “Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido” nem sempre é respeitada. Neste nosso período histórico justificado pela ideologia neoliberal, o poder parece nascer do sistema econômico e em nome dele tem sido exercido.

Não são poucos os exemplos cotidianos que mostram o uso do poder político em benefício do sistema para golpear os direitos sociais. Aqui no Brasil são inúmeros os golpes ‘legais’, institucionais, perpetrados contra a saúde, a segurança e a educação. A tentativa inconstitucional de rebaixamento do salário do pessoal da saúde, o não investimento em segurança pública e a indiferença para com a educação compõem casuísta difícil de entender quando confrontada com aquilo que poderia ser uma democracia de tendência republicana.

Nós, professores federais, estamos em grave desde meados de maio, e nada de sermos tratados para além do cinismo, da arrogância e do descaso. As duas reuniões agendadas para discutir nossos salários e nossa carreira foram adiadas na maior sem-cerimônia possível a gestores da coisa pública, os mesmos que destinam 47,19% do PIB para remunerar o capital; 3,98% do mesmo PIB para a segurança pública e, pasmem, somente 3,18% de nosso produto interno bruto para a educação. Se isso não for um golpe no direito social à educação, o que poderia ser?

Aqui na Bahia, os professores da educação básica estão em greve há insuportáveis 76 dias. E ao que os professores baianos assistem? Ao mesmo cinismo, arrogância e descaso presentes no comportamento em nível federal, tanto que coisas como estas estão acontecendo: “REDAÇÃO DO JORNAL DA MÍDIA. Salvador - Enquanto os professores da rede estadual de ensino penam sem salários há mais de dois meses, a Abaís Conteúdos Educativos e Produção Cultural Ltda. acaba de fechar um contrato milionário com a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC). A Abaís, dirigida pelo ótimo professor Jorge Portugal, vai receber exatos R$ 1.591.774,80. O objeto do contrato – com vigência de 180 dias e feito com dispensa de licitação - é a ‘prestação de serviços educacionais Pré-Enem’. Hoje, cerca de 72 mil alunos do 3º ano do ensino médio da rede estadual de ensino voltaram à sala de aula. Mais de 900 mil estudantes continuam em casa aguardando, cada vez mais impacientes e incrédulos, uma solução do governo Wagner para a greve dos professores que já dura inacreditáveis 76 dias”.

Cinismo, arrogância e descaso poderiam ter limites. E os governantes entenderem que são, em verdade, servidores do povo, esse que abarrota as burras estatais e espera receber contrapartidas que lhe respeitem a dignidade. Deixemos de ser hipócritas: cotidianamente, o Paraguai é bem aqui.