Tempos bicudos

Wilson Correia

Vivemos tempos difíceis. Na minha crença serena no poder da cidadania de fazer-se ouvir em um regime democrático, jamais imaginei que pudesse testemunhar o que agora vejo: o país em greve e nós, professores federais, há quase três meses paralisados.

De um lado, parece se fortalecer o projeto de nação derivado do modelo estadunidense de sociedade, ancorado na sociedade dos indivíduos, na economia do deus mercado onipresente, na cultura “trash” de massas e na política subsumida pela economia egóica do individualismo possessivo.

De outro, emerge entre nós, e como resistência por meio do exercício do direito de greve, a proposição de um modelo societário baseado em direitos sociais, no qual o mercado não é visto como o tirano da vida e da morte da cidadania possível em uma nação que se diz democrática.

Cá, pugnando pela educação como direito social inalienável, estamos nós, grevistas, reivindicando qualidade nas condições de trabalho (infraestrutura), carreira decente que valorize o pessoal da educação e salários que sejam coerentes com os dois pontos anteriores.

Lá, defendendo a educação como mercadoria, estão os governistas insensíveis e ultraconservadores usando todas as armas possíveis (mídia, coerção administrativa, exército...) para manterem o Brasil no rumo do emparelhamento com aquilo que os estadunidenses pensam ser o suprassumo da vida humana na face da Terra.

Do lado dos mercantilistas está a mídia, também ela defensora do mercado, praticando a ocultação da verdade, fragmentando os fatos, invertendo papéis, induzindo à crença na versão que mais coaduna com seus interesses e com os de seus senhores capitais.

Quando essa mídia fala que o aumento salarial com ganho real para professores e técnico-administrativo (ela jamais aborda os outros pontos de nossa pauta) traria um impacto de bilhões aos cofres públicos, ela jamais informa que esse dinheiro é produzido pelo e pertence ao povo.

A mídia se refere a isso com se fosse o fim do mundo. Mas ela oculta a verdade de que, desde 1995, o gasto do Estado brasileiro com o funcionalismo está decaindo em relação ao nosso Produto Interno Bruto, esse do qual 47,19% são reservados aos capitalistas especuladores, que disso se alimentam criminosa e eternamente, subtraindo o dinheiro público que deveria ser destinado à garantia dos direitos sociais, precipuamente segurança, saúde e educação.

A mídia culpa os grevistas, como se eles, ao exigirem condições dignas de funcionamento das universidades federais, fossem uns desalmados narcisistas que só pensam em si próprios. Ela jamais aborda a educação como direito social e como campo estratégico para alcançarmos nossa real soberania perante as demais nações mundo afora.

Tempos bicudos. Conjuntura extremamente difícil. Estamos vivenciando uma lição de vida extremamente dura, a qual, a bem da verdade, poderia muito bem ser evitada. Mas continuemos: educação é direito, não é uma mercadoria.