Nossas cotas, nosso fracasso

Wilson Correia

As cotas me incomodam não pelo que são em si: a tentativa jurídica de corrigir desvios que são da ordem material; logo, de justiça social e econômica. Formalmente, todos somos iguais perante a lei (diz nossa Carta Magna). Isso, formalmente falando –o que não basta.

Entre nós, a lei do mais forte é o que impera, e não apenas juridicamente, pelo fato de certos sujeitos terem a caneta na mão. Mas ainda não é aí que se encontra o “xis” da questão, pelo menos no meu sentimento e percepção cognitiva.

O problema é que as cotas continuam não sendo universais. Elas não são para todos. E, aí, ao aceitarmos as cotas, estamos legitimando dois entendimentos básicos: a sociedade é mesmo excludente, e é assim que devemos concebê-la, resignando-nos ante esse fato; e nós, humanos, somos mesmo uns fracassados quando o assunto é justiça social e econômica, motivo pelo qual temos de selecionar e eleger, dentre os excluídos, aqueles gatos pingados que poderão ser incluídos em nossa sociedade verdadeiramente ativa.

Não bastasse isso, se o acesso a bens materiais, culturais e sociais depende de igualdade de condições econômicas, e não de oportunidades jurídicas formais, por que razão não aceitamos discutir o modelo sócio-econômico excludente no qual nos encontramos, contentando-nos com os arremedos de justiça e equidade que essa sociedade doente produz?

Mais: por que diabos não aceitamos avaliar o uso político-partidário-eleitoreiro que um partido faz, despudoradamente, das diferenças (étnicas, culturais, sociais, econômicas) ao custo do suor universal de todos que produzem riqueza?

Por que motivo a sociedade não percebe que está sendo tremendamente cega ao usar o bem comum para legitimar e perpetuar um modelo societário e econômico injusto, o qual, por assim se configurar, precisa incluir alguns em prejuízo de uma multidão de excluídos?

Pior: por que essa mesma sociedade não percebe que os poucos incluídos só podem ser assim entendidos mediante a criminosa expropriação daqueles sujeitos sociais que jamais poderão ser considerados incluídos ativos nessa sociedade que torna pretos e pardos excluidores de pretos e pardos, índios excluidores de índios e pobres excluidores de pobres para que tais excluidores possam se sentir sujeitos incluídos?

Daí meu entendimento: toda sociedade inclusiva é, necessariamente, uma sociedade excludente. E é contra esse fato que me indigno. Até quando pretos e pardos, índios e pobres terão de ser juridicamente congelados nos estados fenotípico, étnico e sócio-econômico para termos a falsa sensação de que estamos fazendo justiça às diferenças?

Ao contrário dessa sensação, o que tudo isso me sugere é que, com as cotas, estamos, sim, admitindo nossa incompetência e nosso fracasso diante da tarefa de criarmos um modo de produção da vida material que crie condições reais de dignidade para todos. Estamos escrevendo em nossas testas: nunca fomos humanos e estamos insistindo no não reconhecimento dessa nossa sucumbência, desse nosso fiasco, dessa nossa tremenda pequenez.

Wilson Correia
Enviado por Wilson Correia em 17/10/2012
Reeditado em 17/10/2012
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