A educação e os tunicados

Wilson Correia

O tunicado (molusco ou urocordado) é aquele animalzinho do fundo do mar que vem ao mundo portando um pequeno cérebro. Porém, a parte do sistema nervoso alojada no crânio desse molusco só é usada até ele encontrar o lugar apropriado para se alojar pelo resto de sua existência. Terminada essa tarefa, e não precisando aprender nada, o urocordado devora os próprios miolos e, assim, livra-se do órgão que lhe exigiria somas enormes de energia. Parece que o lema do tunicado é: antes estagnar do que trabalhar.

A metáfora do tunicado me veio à mente em conversa recente com uma colega professora. Avaliávamos a conjuntura da educação brasileira dos mais recentes anos (de 2003 para cá), os quais nos mostram que indicadores educacionais e necessidades reais brasileiras nesse campo continuam em descompasso, em uma espécie de operação onde carência e satisfação não batem suas contas.

Na ponta do lápis, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) são programas cujos resultados ficam aquém do que precisaríamos para tornar-nos, de fato, uma grande nação.

Nessa linha, o Censo Escolar de 2009 e 2010 evidencia que 1,2 milhão de matrículas na educação básica pública deixaram de ser feitas. Mesmo sob o Fundeb, que, desde 2007, conta com pouca destinação de verba por parte da União, a educação básica (infantil e média) perderam 65 mil matrículas em apenas um ano. O retrocesso na Educação de Jovens e Adultos (EJA) foi ainda mais severo: 260 mil vagas deixaram de existir.

O combate ao analfabetismo entre escolarizáveis em idade até 15 anos andou a passos de tartaruga, baixando da marca de 11,6% para o registro de 9,7%, com ganho de apenas 1,9%. Entre os maiores de 15 anos, tirada a média dos anos de estudo, a mesma estagnação se repete: em 2005, os brasileiros apresentavam 7 anos de estudo, ao passo que, em 2009, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) essa marca raquítica foi para magros 7,5 anos, indicativo de que, nessa lentidão, gastaremos mais de cinquenta anos para atingirmos o registro de 14 anos de estudo ‘per capta’ (cada brasileiro com 14 anos efetivos e obrigatórios de estudo é meta estipulada na Emenda Constitucional 59 de 2009).

Já o Censo do Ensino Superior traz à luz o indicativo de que a associação entre Reuni e ProUni implicou a expansão de mais de 2 milhões de matrículas entre 2003 e 2010, o que elevou o número de universitários para 6 milhões (mas com 75% deles estudando em instituições privadas), o que são apenas 15% dos jovens entre 15 e 24 anos cursando o ensino superior, quando a meta do Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010) previu taxa de 30% deles no ensino superior.

Se o número de matriculados em nossas universidades é baixo, muito aquém do que necessitamos também é a qualidade da educação universitária atualmente oferecida aos nossos jovens: com 38% de estudantes universitários em situação de alfabetismo funcional (vulgarmente chamado de “analfabetismo funcional”), exames como o da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), por exemplo, mostram reprovação na ordem de mais de 90% dos que concluem o ensino superior em alguma matéria básica que cobram. Talvez seja por isso que nenhuma universidade brasileira figure na lista das cinquenta melhores universidades do mundo, notadamente por conta da baixa qualidade das instituições privadas de ensino superior.

O Índice da Educação Básica brasileira de 2012 mostra média de 4,1 para os primeiros anos do ensino fundamental, 5,0 para os últimos anos deste mesmo nível de ensino e apenas 3,7 para o ensino médio em escala de vai de zero a dez, uma situação alarmante para a qual poucas pessoas atentam, não percebendo o quadro trágico em que nos encontramos, premidos por necessidades educacionais inadiáveis.

Diante dessa situação, a aprovação, pelo Congresso Nacional, da destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação seria um alento, não fosse o fato de que esse investimento foi adiado para depois de 2021. E alguns já percebem que nem esse percentual dará conta de atender substantivamente às nossas carências, sendo necessário o investimento de 30% do PIB para que possamos fazer frente a urgências como: investimento qualificado no sistema nacional de educação, remuneração digna para os profissionais da magistério de todos os níveis, plano de carreira para docentes e profissionais técnico-administrativos do sistema e oferta qualificada de recursos educacionais (laboratórios, bibliotecas, refeitórios, moradias, entre outros).

Se a União arrecada 53% de toda a carga tributária paga por brasileiros e brasileiras, por que razão ela não firmou parcerias com estados e municípios para possibilitar ao Governo Federal disponibilizar, cooperativamente, auxílio técnico e financeiro ao sistema de ensino, de Norte a Sul?

Mas não! De 2003 a 2010, o Governo Federal destinou R$ 51 bilhões de reais à educação, o que significa que destinou ao setor apenas 3% do orçamento da União (ao passo que, a cada ano, a quase metade desse orçamento foi destinada para a manutenção da dívida pública fictícia). Se esses 3% fossem acrescidos de apenas 2% do PIB, essa ação elevaria tal investimento para 115 bilhões.

Ações tão acanhadas em educação como essas lembradas aqui não nos tirarão da sina de país adiado, de país do futuro. Talvez seja por isso que, mesmo ocupando a sexta posição entre os países mais ricos do planeta, continuamos como a segunda nação socialmente mais desigual entre as vinte economias do mundo (G20) e a 84ª em Índice de Desenvolvimento Humano.

Nós, professores, que não somos tunicados, temos uma hercúlea tarefa perante nossos concidadãos: primeiramente, fazê-los perceber o drama em que estamos metidos; depois, empreender ações para superarmos essa realidade trágica que nos espreita a todos.

O que não dá para aceitar é que a educação continue sendo aparelhada de maneira eleitoreira e partidariamente, com políticos (esses, sim, tunicados!) declaradamente inimigos dela e dos professores e professoras que a fazem e a sofrem dia após dia, ano após anos.