Apagão educacional: os desafios da educação brasileira pós-pandemia

 

A pandemia provocou um verdadeiro “apagão” educacional que ninguém esperava e nem estava preparado para esse longo tempo de aulas remotas. São muitas perdas, atrasos, desvios, ou até desistência de muitos alunos. No caso dos países da América Latina e do Caribe, a pandemia chegou antes que as políticas públicas sobre educação fossem consolidadas e, em algumas situações, nem sinal tínhamos de política pública.

 

São diversos tipos de perdas, de acordo com o nível sócio econômico. Quem sofreu mais perdas foram as camadas sociais menos favorecidas, que dependiam de internet e computador, principalmente. Em grande número de famílias, apenas um pequeno smarthphone servia para diversos filhos. No Brasil, segundo a Unicef, 4 milhões de alunos não possuíam internet ou conectividade. Nesses alunos, predominantemente das escolas públicas, as maiores perdas foram na ordem dos conteúdos e das motivações. O desânimo tomava conta de nossas crianças e jovens.

 

Em muitos casos a perda ainda foi maior com o movimento da evasão escolar. Conforme a Unicef, somente no Estado de São Paulo a evasão escolar no ano passado saltou de 2% para 9,2%. Conforme dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), só no Brasil a evasão atingiu 5 milhões de alunos, crescendo 5% no ensino fundamental e 10% no ensino médio. É um crescimento enorme e a maior perda. O retorno desses alunos para a escola é muito difícil e desafiador.

 

Nas camadas sociais em melhores condições, que possuíam internet e computador, as perdas são menores, mas ainda muito significativas. As escolas não estavam preparadas para esse momento crítico com tanto tempo sem aulas presenciais. Os alunos dessa faixa social terão melhores condições para superar esse apagão, mas vai depender muito dos processos de recuperação e planejamento que as escolas farão.

 

Uma perda que é comum a todos se refere à questão emocional. O isolamento social, o distanciamento dos colegas e amigos causaram muitos transtornos. Os cuidados agora serão maiores para que esses jovens possam recuperar a autoestima, a prática do convívio social salutar e o desenvolvimento psíquico. Em alguns casos há necessidade de acompanhamento psicológico e terapêutico. Pesquisa realizada pela Fundação Roberto Marinho com os jovens brasileiros constatou que muitos alunos tiveram que deixar de estudar para se dedicarem ao trabalho devido à queda da renda familiar. Nessa mesma pesquisa, 45% dos jovens brasileiros estão em famílias que perderam parcialmente ou até totalmente sua renda durante a pandemia.

 

Quanto tempo será necessário para recuperar todas essas perdas não sabemos ao certo. A recuperação será árdua e vai demandar de dois a três anos conforme a situação de cada segmento social. Isso já está claro tanto nas pesquisas como nos diversos movimentos sociais como Todos pela Educação. Ao mesmo tempo esse processo não pode ser segmentado, isolando grupos de alunos. É preciso não deixar ninguém para trás. É como o movimento de vacinação. Trata-se de um movimento coletivo de recuperação escolar. É uma estratégia coletiva. Não se ganha uma guerra com grupos isolados, onde cada um segue numa direção.

 

O Banco Mundial também mostra em seus relatórios essa enorme defasagem na aprendizagem. Os países da América Latina e do Caribe sofrerão graves consequências que podem atingir toda uma geração. Por isso recomenda uma melhoria radical nos sistemas de educação, incorporando as novas tecnologias e adotando novas metodologias de ensino-aprendizagem. Afirma tacitamente que é preciso que essa região feche o “fosso digital” para constituir sistemas educacionais mais inclusivos e eficazes.

 

Em muitas escolas o retorno poderá ocorrer de maneira não pensada, atabalhoada, sem planejamento. O que não pode acontecer é as escolas embrenharem-se na tarefa de recuperação da aprendizagem logo de cara. Se assim procederem, a situação irá piorar, pois o movimento pós-pandemia requer paciência com professores e alunos, tempo de retomada, retorno e um novo esforço de readaptação. A pandemia não foi um longo período de férias. Não se retoma a partir daquele momento, como era no tempo normal, em que os alunos e professores foram intimados a permanecerem em suas casas.

 

O primeiro momento que é um desafio para as escolas no próximo ano é a readaptação da vida, da dinâmica social, das demandas emocionais e psicológicas. Em segundo lugar, penso que as escolas necessitam organizar um tempo relativamente longo para o acolhimento de professores e alunos. Não basta dar as boas vindas na porta do colégio. Isso não é acolhimento. Para a área educacional esse acolhimento deve estar enraizado na dimensão social das relações rompidas, ou enfraquecidas, e o cuidado com a dimensão emocional de cada pessoa, aluno ou professor.

 

É como se estivéssemos retomando um carro que ficou parado na garagem durante dois anos. Provavelmente nem bateria está funcionando. Além disso, o combustível deve ter secado, a água desapareceu, o motor criou ferrugens, etc. Fazer pegar esse carro no “tranco” como se costuma dizer, é fundir o motor. O próximo ano requer muitos cuidados para que as pessoas não sejam como motores fundidos.

 

Somente depois dessas duas etapas é que podemos pensar na recuperação da aprendizagem, dos conteúdos e das diversas lógicas de raciocínio. Os cérebros dos educandos também sofreram alterações nas dinâmicas lógicas e discursivas.

 

Uma medida imediata a ser adotada nas redes que cuidam do ensino fundamental é fazer com que toda criança que estiver em idade escolar tenha acesso às escolas reabertas. Sabemos como isso é difícil. Mas é essencial. Uma criança que não ingressa no momento certo, ou abandona e retorna em outro tempo, trará desníveis na aprendizagem difíceis de serem superados.

 

Sobre essa questão, é preciso que se faça um levantamento rigoroso em cada região, bairro, cidade, dos alunos que evadiram durante a pandemia. É preciso identificar e localizá-lo. E, enfim, trazê-lo de volta para a escola. Esse será um dos maiores desafios. A situação brasileira será diferente na medida em que não se adotar uma política consistente de recuperação pós-pandemia.

 

Em nosso entendimento, o Brasil será um dos países como maior dificuldade para a recuperação do apagão educacional, pois ficou muito tempo com escolas fechadas, sem uma unidade de ação política na condução dos diversos processos. Cada secretaria de educação foi chamada a pensar seu próprio caminho. Isso não foi bom e trará maiores dificuldades. A pandemia tem essa característica: requer um movimento coletivo tanto em termos sanitários, como educacionais e mercadológicos. Tinha momento nesses dois anos que cada um parecia tentar resolver tudo por conta própria. Não estamos preparados para guerra nenhuma, muito menos para essa guerra sanitária.

 

O que deverá mudar na Educação no Brasil no período pós-pandemia, penso eu, será a forma com que as escolas em seu conjunto de professores, alunos e corpo técnico, irão planejar suas atividades. A crise é sempre um momento de crescimento, de nascimento de novas práticas educacionais. Essa é minha expectativa, e penso que seja bem provável. Temos um quadro de profissionais bem comprometidos com a educação. Esse lado é animador.

 

Vejo também como algo muito positivo a forma como as redes de ensino estão projetando a realização de concursos. Isso dará força e esperança para a educação. Os gestores políticos da educação têm um papel essencial nesse momento. Inclusive, não deveria ser concurso apenas como “processos seletivos”, com professores em contrato temporário. A educação brasileira agora necessita ainda mais de professores efetivos, concursados, estáveis e capacitados periodicamente.

 

Em algumas pesquisas sobre a percepção da sociedade, especialmente das famílias, a profissão de professor passou a ser mais reconhecida e valorizada. Não sabemos até que ponto isso é verdade, pois não vemos concursos para professores efetivos, apenas substitutos ou de contratos temporários.

 

Não apenas pelas famílias os professores tiveram seu reconhecimento, mas pela sociedade como um todo. Ao lado dos profissionais da saúde é a camada profissional que mais foi chamada. Tinha hora que vinha uma forte angústia: como esses nossos heróis irão aguentar trabalhando nessas condições em suas casas? Houve muitos adoecimentos de professores em todos os níveis.

 

A dinâmica deveria mudar em termos metodológicos e na forma organizacional. Muito provavelmente haverá necessidade de turmas menores para que a readaptação e o acolhimento sejam efetivos e eficazes. Dessa forma, com turmas menores, a fase da recuperação da aprendizagem dar-se-á de maneira mais tranquila. Nossos professores não são super-heróis. Com turmas menores, os professores terão oportunidade de acompanhar mais de perto cada um de seus alunos.

 

Na verdade, o período pós-pandemia irá demandar da escola como um todo. Todo seu conjunto de educadores deverá estar atento para os cuidados que forem necessários. Muitas vezes, no próprio recreio alguém poderá estar precisando de uma mão de apoio emocional.

 

Além disso, também deverá mudar a dinâmica da relação escola-família. Nem sempre os quadros emocionais e sociais são transparentes. Será o momento de estreitar os laços entre escola e seu entorno familiar, para um melhor conhecimento e entendimento da situação vivida por cada aluno;

 

Por fim, haverá situações que a escola irá precisa de ajuda profissional de áreas relevantes como a psicologia e o serviço social. São dois campos importantíssimos no processo de recuperação pós-pandemia. Isso não é luxo, mas necessidade, cuidado humano.

 

Concluindo, podemos dizer que esse é um excelente momento para os diversos governos (federal, estaduais e municipais) implementarem políticas públicas de educação mais consistentes, com valorização salarial dos profissionais da educação, qualificação permanente, realização periódica de concursos para professores efetivos e demais profissionais da educação. E mais, um empenho ainda mais forte para trazer de volta os milhares de alunos que deixaram a escola. Nesse aspecto, será de fundamental importância os governos contarem com o apoio profissional de Assistentes Sociais que farão visitas nas casas e Psicólogos para cuidarem das diversas enfermidades psíquicas e emocionais decorrentes da pandemia.

 

Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 19/11/2021
Código do texto: T7389472
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