HERANÇA TROVADORESCA

As pesquisas de Chaves (2010, p. 1) atestam que o italiano nascido em Arezzo, Giorgio Vasari (1511 – 1574), foi, provavelmente, o primeiro estudioso a utilizar o termo Renascimento, de ampla significação, com o qual descrevia o florescimento artístico-cultural da Itália dos séculos XV e XVI. Foi no ano de 1550 que Giorgio publicou a obra intitulada Vida dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos italianos, desde Cimabue até a nossa época.

A humanidade, enfim, avança em direção à luz, após o medievalismo teocêntrico e as trevas da ignorância. É a vez do ser humano colocar-se em privilegiada posição, fazer-se centro das atenções (antropocentrismo) e encetar a busca de suas origens, de sua razão de ser no Universo.

Em Portugal do século XIV vivia-se a agitada época da implantação da dinastia de Avis (1383-1385), momento em que ocorre uma revolta do povo que destrona a dinastia de Borgonha, e faz subir ao trono o rei, D. João I, da ordem de Avis. Dá-se, então, o fim da vassalagem dos reis de Portugal aos de Castela, consolidando-se a independência do povo português. Começa um período de progresso do comércio e, especialmente, do comércio marítimo, formando-se, assim, o império colonial português que realiza conquistas na África e descobre as terras que, depois de algumas mudanças de nome, passou a se chamar Brasil.

A desenvolvida Europa chega ao Brasil no início do século XVI e inicia o processo colonizador dos únicos habitantes desta terra no momento do descobrimento. Os nativos, os europeus e os africanos ainda iriam formar a nação brasileira. Trata-se de uma longa história até que fossem alcançados, por influência, os ares humanistas europeus. O povo aqui formado tem sua trajetória de luta na tentativa de se fazer notar e de construir uma identidade.

A Literatura é, por excelência, veículo identificador e identitário. A intenção deste texto é a de elaborar uma breve reflexão sobre a poesia palaciana em sua forma de manifestar-se na cultura de origem europeia produzida no Brasil.

Quanto às origens desse tipo de poesia, sabe-se que foi cultivada em Portugal, pelos idos de 1400, do Quatrocentismo. O cenário desse espetáculo poético era a corte. Trata-se de uma arte feita para os nobres, uma espécie de entretenimento refinado no ambiente palaciano.

Entre os poetas dos palácios, sobressaem as figuras de Garcia de Resende, João Ruiz de Castelo Branco, Diogo Brandão e Gil Vicente, sendo este o responsável pela organização das festas da corte onde, em 1502, encenou sua primeira peça, o Monólogo do vaqueiro ou Auto da visitação, na câmara da rainha D. Maria, em comemoração ao nascimento de D. João III.

Dos principais acontecimentos pós-descobrimento do Brasil, no século XVI, cite-se a concessão do direito feita pelo rei dom Manuel a um grupo de comerciantes liderados por Fernão de Noronha para que explorassem o pau-brasil (1502); e a subsequente fundação da primeira capitania hereditária brasileira, em 1504; e, no findar da centena de anos, em 1594, a presença dos franceses Jacques Riffault e Charles Vaux, instalados no Maranhão após o naufrágio ocorrido na costa dessa região.

Enquanto em Portugal brilhou o Quatrocentismo, no Brasil as fagulhas apontam o Quinhentismo, considerado o período inicial da literatura colonial, onde predomina a figura inconfundível do Padre José de Anchieta, também poeta, além de autor de famosos sermões e cartas, cujo objetivo era o da catequização dos índios brasileiros.

Como se pode notar, há uma bolha de cerca de cem anos entre a literatura portuguesa e o período inicial da literatura brasileira que, segundo a maior parte dos estudiosos só se anunciará a partir do Romantismo, no século XIX. Entretanto, a cultura brasileira absorveu, através dos liames criados durante a formação de sua história de povo, influências da época trovadoresca, tanto na literatura quanto na música.

A poesia palaciana é uma herança do Trovadorismo português e sobre ela e sua amizade com a música, em terras brasileiras, afirma Fernandes (2004, p. 1):

“Com a consolidação da poesia palaciana, desagrega-se, por fim, a era trovadoresca, como vimos. Porém, se as cantigas de amigo escapam para a oralidade das portas das tavernas e daí se perdem, os cantares d’amor seguem um regular curso estético, adaptando-se naturalmente às novas concepções que se sucederam – afinal, o amor prescinde de periodizações literárias – calibrando a subjetividade do eu-lírico: seja o neoplatonismo de Camões no auge classicista; a angústia gongórica e a libido exacerbada de Gregório de Matos; a contenção árcade e a explosão pré-romântica de Tomás Antônio Gonzaga; o apogeu da idealização em Álvares de Azevedo; o “amor e medo” em Casimiro de Abreu ou a plenitude carnal em Castro Alves, o que perpassa quatro séculos é a essência fundamental que os trovadores transubstanciaram a partir do século XII”.

(...)

“Se as modinhas eram consideradas “cantigas de salão”, as serenatas, também caracterizadas pela temática sentimental, eram as “cantigas noturnas de rua”, expondo os músicos “ao sereno”... O parentesco com a modinha e o costume das serenatas – românticas, à luz da lua e à maneira dos trovadores – fizeram com que poetas do quilate de Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Castro Alves compusessem muitos poemas para serem veiculados musicalmente”.

Para ilustrar seu artigo, Fernandes cita as modinhas da MPB onde percebe a herança trovadoresca:

“Foi no teatro de revista que surgiu nossa primeira estrela da canção popular: Aracy Cortes. Na peça “Miss Brasil”, encenada em 1929, Aracy apresentou, e logo gravou, aquele que seria o primeiro sucesso da MPB: “Linda flor” (mais conhecida por “Ai, Ioiô”), de Henrique Vogeler e Luís Peixoto, já apresentando, curiosamente, um eu-lírico feminino, à maneira trovadoresca das cantigas de amigo”.

Provavelmente a herança difundida igualmente à da música e oriunda da influência do Trovadorismo (para a literatura brasileira) é a trova, de muita aceitação e do gosto popular. Tanto na temática quanto no que se refere aos moldes, a formação da base lírica das literaturas de língua portuguesa reside no longínquo trovadorismo, no canto dos trovadores e menestreis. Redondilhas maiores e redondilhas menores tocam a música literária e influenciaram a obra de autores renomados, a exemplo de, Almeida Garrett, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e outros.

Ainda no que se refere à música popular brasileira, vale frisar o sucesso do falecido cantor Altemar Dutra, “O trovador”, composição de Jair Amorim e Evaldo Gouveia:

O TROVADOR

Sonhei que eu era um dia um trovador

Dos velhos tempos que não voltam mais

Cantava assim a toda hora

As mais lindas modinhas

Do meu Rio de outrora

Sinhá mocinha de olhar fugaz

Se encantava com meus versos de rapaz

Qual seresteiro ou menestrel do amor

A suspirar sob os balcões em flor

Na noite antiga do meu Rio

Pelas ruas do Rio

Eu passava a cantar novas trovas

Em provas de amor ao luar

E via então de um lampião de gás

Na janela a flor mais bela em tristes ais

Notável é o artigo de Mendes (2007, p. 1) sobre a Lírica Trovadoresca na Música Popular Brasileira. A autora examina a presença do Trovadorismo nas letras de três músicas modernas que se assemelham às medievais cantigas de amor e de amigo, tanto nos aspectos formais quanto nos temáticos.

As canções estudadas por Mendes são “Queixa”, composição de N.Siqueira / E. Neves, interpretada por Caetano Veloso; “Sozinho”, composição e interpretação de Peninha; e “Incelença pro amor ritirante”, autoria e interpretação de Elomar Figueira.

Nascida nobre, a poesia palaciana passou para o domínio popular, história contrária à do tango que, filho dos ambientes do meretrício, ganhou os nobres salões.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Gil_Vicente

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-106X2006000100002

http://pt.shvoong.com/humanities/linguistics/795557-humanismo-na-literatura-portuguesa/

http://www.brasilescola.com/literatura/humanismo.htm

http://www.brasilescola.com/literatura/humanismo.htm

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/trovadorismo/trovadorismo-2.php

http://www.brasilescola.com/historiab/historia-brasil.htm

http://www.suapesquisa.com/literaturabrasil/

http://www.novasaquarema.com.br/poiesis/98/neocantigas01.htm

http://letras.terra.com.br/altermar-dutra/292074/

http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=43571&cat=Artigos&vinda=S

http://letras.terra.com.br/elomar/376570/