REPENSAR A VIDA...

"Novamente aqui estou a repensar a vida...

Sempre fazemos isso involuntariamente, quando vemos que ela está se desdobrando, em uma multiplicação que é contabilizada pelo tempo.

Inúmeras são as razões que nos fazem retroceder no tempo... Tempo de meninice, de recomeço, tempos diferentes que já deixamos para trás: a nossa infância, depois a infância dos nossos filhos... E agora, a infância dos filhos dos nossos filhos.

E vamos fazendo comparações. A vida antes era simples, as coisas eram limitadas. Acompanhamos essas passagens vendo as transformações que ocorriam. Era a urgência que acompanhava o progresso. Modificações muito rápidas, novidades que recebíamos não sem alguma surpresa, mas que faziam com que as facilidades trouxessem a rapidez enquanto iam aumentando a pressa.

Quem viveu em cidade pequena, conheceu coisas que deixaram recordações. A vida era pacata. Todas as pessoas moravam em casas onde havia quintal com fruteiras, havia espaço para criação de galinhas, passarinhos em gaiolas, quando não um papagaio falador. Gatos, cães, animais dóceis soltos, sem coleira... Os balanços feitos de corda amarrada em um galho forte de alguma árvore... pulávamos amarelinha, corda, jogávamos peteca... pião... Muitas eram as brincadeiras das crianças nas calçadas sob as vistas das mães, que usufruíam momentos de conversação com a vizinhança, sentadas em cadeiras nas calçadas.

Tempo de camaradagem, confiança, amizade... quando sonhávamos com o dia de amanhã e nos deliciávamos com nossos sonhos, inspirados pela beleza natural que circundava nossa cidade: as serras maravilhosas do maciço do Itatiaia, o Rio Paraíba que cortava a cidade ao meio, a velha ponte de ferro... Nossos piqueniques no Lago Azul, Maromba, Penedo... Nossas viagens de trem com aquele ruído característico, a máquina fumegante arrastando os inúmeros vagões por sobre os trilhos, o rangido das ferragens quebrando o sossego das montanhas, as pontes estreitas sobre os vales, as casinhas ao longe. Era uma viagem rumo ao paraíso.

Entre sonho e realidade, sorríamos despreocupados dentro daquela magia, olhando a natureza, saboreando aquela sensação de fruta proibida...

Viajávamos em sonhos deslizando com as águas das cachoeiras que fascinavam nossos olhos, alcançávamos o topo das serras que sempre nos encantaram.

Amei com os olhos as belezas grandiosas e os momentos pequenos. Um espetáculo divino com toda aquela vegetação luxuriante servindo de moldura.

A infância é também um estado de espírito, que nos faz desejar estar no meio do campo sob o céu estrelado, ouvindo no silêncio a Sinfonia da Natureza pulsando!

Poesia pura, como o badalar do sino de uma igrejinha antiga que ainda ressoa nos meus ouvidos de menina. O som do órgão na igreja tocando em missas festivas. Apenas aquelas notas ecoando pela grande nave da Igreja Matriz! As andorinhas nas torres... Os jardins floridos junto ao chafariz de alguma casa antiga. Os caramanchões com seus bancos de madeira para os fins de tarde... Os quiosques de sapé.

Bonito era o domingo pela manhã. Sol forte, pessoas despreocupadas, crianças e adultos de bicicleta.

O domingo deveria ser o dia em que as pessoas ficassem fora de casa... mesa grande na varanda entre plantas e pássaros... Isto faz lembrar os pastéis de minha mãe, grandes, gostosos, a travessa de macarronada, o frango caipira, a salada colorida, o vinho tinto perfumado ou a cerveja do meu pai... guaraná para a criançada.

As sobremesas de doces de frutas nas antigas compoteiras coloridas.

Visão de fartura, de alegria de uma família de seis filhos. Aquela simplicidade que embelezava o nosso olhar. Depois, o cinema.

Hoje, os domingos não são mais assim. A tecnologia quebrou o encanto da vida em família. E qualquer criança sabe apertar os botões de todos os aparelhos para pôr em funcionamento.

Mas, elas também sabem ficar silenciosa, quando narramos essas passagens da infância que conhecemos, que vivemos... Essas lembranças bonitas que ficaram nos olhos encantados da criança que descobria o mundo!----------------------------------------------

Novo romance "A velha Fazenda" da mesma autora de "Eulália" e "Amor sem fronteiras".

lstellamello@uol.com.br

Stella Mello
Enviado por Stella Mello em 20/06/2011
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