Sobre o livro Casarão, de Jorge Sader Filho 
 
Sou amante do livro impresso, que me parece mais afável, permanente, e principalmente, mais meu. O livro no computador não é meu, é distante, frio e efêmero (perdoe-me quem pensa o contrário). Entretanto, li Casarão, de Jorge Sader Filho no computador. Por quê? Conheço o autor há algum tempo de sites pela internet e por seu livro A Dura Regra do Jogo (li-o impresso). Faltou algo após a leitura de Casarão, abraçá-lo, fechar os olhos e pensar sobre o assunto, as personagens, numa espécie de despedida, o que, para mim, é uma sensação de carinho, como que dizendo: “De vocês ficou algo em mim, deixaram-me diferente”.
Casarão é um livro de poucas páginas, “fininho”, bem ao gosto da maioria dos leitores de hoje. É preciso mestria e poder de síntese para escrever um romance assim, com tamanho de novela, e isso Jorge tem de sobra, como bom cronista que é.
Suas descrições dos locais, personagens e comidas são curtas, rápidas, precisas. Comparando-se ao pintor: são pinceladas pontuais.
O assunto desperta curiosidade desde sempre: o sobrenatural. A personagem Raul (vinda do RS, ex-policial, chefe de segurança de fazendeiros), capanga fiel aos seus senhores, habituado a matar para defendê-los, tem premonições e forte fé. Acredita no Bem e no Mal e que é preciso invocar o Bem para afastar o Mal.
Fisgou-me a narrativa. Palmas para Jorge, que, com cordões invisíveis, conduz a história à qual o leitor fica preso.
Impressionou-me a bem-feita mescla de passado e presente: um casarão localizado numa cidade interiorana (passado) em tempo atual: bebe-se uísque, frequenta-se balada, usa-se ecstasy, anda-se de tílburi (passado) e de automóvel moderno.
O livro é permeado de passagens imateriais (espirituais?): o peregrino vestindo túnica branca que pede pouso à noite aos moradores do casarão, que diz: “A Paz esteja nesta casa, Senhor” e come só pão e bebe vinho e luta e vence o mal, sem ninguém entender; as premonições de Raul, principalmente em relação ao Mal; as duas meninas que são atacadas pelo Mal (uma comportando-se como prostituta, a outra morta por uma picada de cobra); o sincretismo religioso (o autor conhece); a “cura” da menina Glorinha pelo andarilho; o sorriso de Nossa Senhora da Penha “discreto e maternal” sinalizando que tudo daria certo; o poder da oração dos simples e puros, como os primeiros cristãos; o Espírito Santo que se faz presente no “dom das línguas” (aqui duas, latim e nagô).
Dois símbolos ficaram martelando na minha mente: a cobra, que representa o Mal (desde o Gênesis), que aparece com inúmeros nomes Moleque, Tristonho, Safado, Coisa Perdida, Vagabundo, Malvado... e o fogo, como elemento destruidor e purificador (lembrou-me as fogueiras da Idade Média).
Há muito mais para analisar, sobre o que refletir, neste romance, em que o Bem e o Mal estão em constante embate, vestido de novela e com fim de conto (inusitado), sendo tudo dizimado por uma doença (não pelo fogo), mas essas são apenas umas rápidas considerações do que mais me chamou a atenção no Casarão.
Se é livro que se recomende? Sim, eu recomendaria.

Mardilê Friedrich Fabre
Imagem: Internet


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