ESSA TAL FELICIDADE – Café Filosófico – Passos MG)

Evolução e felicidade estão intimamente ligados. Afirmo sem medo de errar que toda evolução humana, pessoal ou profissional, tem a felicidade como seu fim. Na busca por evoluir, ou pela ideia do que seja evoluir, estamos em constante busca de conquistar essa “tal felicidade”. Fazemo-la pela busca de um amor, de saúde, de uma família, de uma carreira, de uma casa, um carro, uma empresa, uma viagem, etc. A felicidade moveu, move e sempre moverá o mundo. Os grandes conquistadores, as grandes civilizações, os grandes impérios todas foram movidas pela busca de riquezas, de glória, de poder, que são meios de se conquistar o sentimento de felicidade.

Se buscarmos no dicionário o significado da palavra felicidade assim teremos: “qualidade ou estado de feliz; estado de uma consciência plenamente satisfeita; satisfação, contentamento, bem-estar. boa fortuna; sorte.” Mas se perguntarmos a dez pessoas diferentes o que é felicidade, teremos dez definições distintas. Felicidade é em nossos dias um conceito subjetivo.

Clóvis de Barros Filho, professor da USP e renomado palestrante da atualidade, afirma tomando como base a filosofia, que “Você sabe que encontrou a felicidade quando vive um momento que não quer que acabe.” “Felicidade é um instante que vale por ele mesmo”. Nesse viés, vejamos o que dizem alguns filósofos sobre o tema. A felicidade, ou melhor a sua ideia, tem grande importância para a filosofia e sua origem. A felicidade faz parte das primeiras reflexões filosóficas sobre ética.

A referência mais antiga de felicidade na filosofia, está ligado ao primeiro dos filósofos, Tales de Mileto (Séc. 6 a. C.). Segundo ele, é feliz “quem tem o corpo são e forte, boa sorte e alma formada.” Vale atentar para a expressão “boa sorte”, pois disso dependia a felicidade na visão dos gregos.

Em grego felicidade se diz “eudaimonia”, palavra composta pelo prefixo “eu”, que significa “bom” e de “daimon”, demônio, que para os gregos, é uma espécie de semi-deus ou de gênio, que acompanhava os seres humanos. Ser feliz era dispor de um bom demônio. Quem tivesse um mau demônio era infeliz.

Demócrito de Abdera (aprox.. 460 a. C.) julgava que a felicidade era “a medida do prazer e a proporção da vida” Para alcança-la o homem precisava deixar de lado as ilusões e os desejos e alcançar a serenidade.

Sócrates (469 a. C./399 a. C.) deu novo rumo à compreensão da ideia de felicidade, postulando que ela não se relacionava apenas a satisfação dos desejos e necessidades do corpo, pois para ele, o homem não era só corpo, mas, principalmente, a alma. Assim, a felicidade era o bem da alma que só podia ser atingido por meio de uma conduta virtuosa e justa. Para Sócrates, sofrer uma injustiça era melhor que praticá-la, por isso, certo de estar sendo justo, não se intimidou nem diante da condenação à morte por um tribunal ateniense.

Platão (427/347 a.C.), discípulo de Sócrates, considerava que todas as coisas tem sua função. O olho tem a função de ver, o ouvido de ouvir e assim a alma tem como sua função ser virtuosa e justa, e, exercendo a virtude e a justiça, ela obtém a felicidade. Segundo ele, o homem também atingiria a felicidade quando desse mais valor ao conhecimento, a razão.

Aristóteles (384/322 a. C.) dedicou todo um livro à questão da felicidade: “Ética a Nicomaco” (Que é o nome de seu filho, ao qual escreveu o livro) A felicidade para Aristóteles corresponde ao hábito continuado da prática da virtude e da prudência. Por sua própria natureza, os homens buscam o bem e a felicidade, mas esta busca só pode ser alcançada pela virtude. A virtude é entendida como “aretê” (excelência). Para Aristóteles a maior virtude de nossa “alma racional” é o exercício do pensamento e a felicidade chega a identificar-se com atividade pensante do filósofo e essa atividade pensante aproxima o ser humano da divindade.

Para Epicuro (341/271 a. C.), a felicidade é a busca do prazer, mas o prazer moderado. Epicuro considerava que o verdadeiro prazer era a ausência de dor no corpo (aponia) e a falta de perturbação da alma (ataraxia). Eis o que ele afirmou: “Assim, quando dizemos que o prazer é bem, não aludimos, de modo algum aos prazeres dos dissipados, que consistem em torpezas, como creem alguns que ignoram nosso ensinamento ou o interpretam mal; aludimos, isso sim, à ausência de dor no corpo e à ausência de perturbação na alma.” Nem festas , nem gozar com mulheres, nem comer peixe ou qualquer outras coisa que uma farta mesa pode oferecer são fonte de vida feliz, mas o sóbrio raciocinar. A vida moral que traz a felicidade não é o prazer como tal, mas a razão que julga e discrimina o que é um prazer que traz gozo momentâneo e quais prazeres não trazem consigo dor e perturbação.

Com o fim do mundo helênico e o advento da Idade Média, a felicidade relacionada a vida neste mundo desapareceu do horizonte da filosofia. Para a filosofia cristã, mais do que a felicidade, o que conta é a salvação da alma. Agostinho de Hipona (354 à 430 d. C.) propõe a felicidade a partir das ideias da “posse de Deus”, da sabedoria divina e da justa medida. A posse de Deus é o fim a ser buscado pelo homem para a obtenção da felicidade, cujo método utilizado seria a sabedoria divina, e cujo princípio básico se consubstanciaria na justa medida das coisas, na frugalidade, ou seja, na moderação do gozo das coisas.

A inclinação do homem para a felicidade não se realiza por completo nas coisas criadas, pois nelas se encontram apenas uma parte do bem. Segundo Tomaz de Aquino (1225/1274 d. C.), o conjunto de todos os bens se encontra em Deus, que acalma por completo esse anseio de felicidade do homem. Deus, o bem perfeito acalma o apetite de felicidade, pois não há mais nada além a desejar. Logo, o bem universal não se encontra em nada criado, mas apenas em Deus. E todos aqueles que se esforçaram para serem virtuosos, são gratificados com um sinal: a visão santificante de Deus. Só os pecadores não podem ter tal visão. Em suma, Tomaz de Aquino afirmava que a felicidade suprema só será encontrada junto de Deus e para alcança-la era necessário uma vida reta e virtuosa longe dos pecados, principalmente os mortais.

Com o advento do Renascimento e a decadência da idade Média um novo paradigma se instaura. O teocentrismo vai perdendo lugar para o antropocentrismo. O grande valor dado a Deus e na vida pós morte vai dando lugar ao homem e sua vida terrena. Esse período foi uma transição da Idade Média para a Moderna. Neste tempo os filósofos que se debruçaram sobre o tema da felicidade viam-na como o prazer, um prazer duradouro.

Nietzsche acreditava que viver pacificamente e sem qualquer preocupação era um desejo das pessoas medíocres e que não valorizam a vida. Para ele, “estar bem” graças a circunstâncias favoráveis ou a boa sorte não é felicidade. Isto é uma condição efêmera que pode mudar a qualquer momento. Estar bem seria uma espécie de “estado ideal de preguiça“, onde não existem preocupações e sobressaltos. Em vez disso, a felicidade é força vital, espírito de luta contra todos os obstáculos que restrinjam a liberdade e a autoafirmação. Então, ser feliz é ser capaz de provar dessa força vital, através da superação de dificuldades e criando formas diferentes de viver.

Já atualmente a felicidade está relacionada ao materialismo e ao consumismo. A mídia nos influencia o tempo todo a fim de buscarmos a felicidade no consumo. E paralelo ao consumismo vivemos o início do século XXI, a era digital com suas redes sociais, que fortalecem a ideia de felicidade, no mostrar e postar como sou feliz comendo feijão na minha cozinha ou bebendo água de coco em Cancun. E com a insana ideia da felicidade, produzida por uma curtida ou comentário de louvor ao ego. Como consequências negativas dessa busca individual da felicidade, temos a perda de valores como a tolerância, a empatia, o amor, a gentileza.

Mas, ainda creio na felicidade como caminho na busca por alcançar nosso melhor eu. Nossa melhor edição como ser humano, ético, solidário e amoroso com as pessoas e tarefas a que se propõe. “A felicidade deve ser o estado interior que nos leve a qualquer lugar mantendo a mesma emotividade.” (Divaldo Franco)

Felicidade é um status. O que permite, mesmo diante das provações e dificuldades da vida, manter-me num estado de felicidade. Cultivando no dia a dia a gratidão potencializamos nosso status de felicidade, que é alimentada também pela nossa percepção de ser que caminha, que evolui. Evoluir e ser feliz eis nosso propósito humano maior.

Gleisson Klebert de Melo - Passos, 27/01/2018

Referência bibliográfica:

REALE, Giovani e Antiseri, Dario. História da Filosofia Volumes I, II e III. Editora Paulos.

Gleisson Melo
Enviado por Gleisson Melo em 27/01/2018
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