Livro não é peixe. E nem escritor é feirante.

Certa vez, chegando ao MASP para conferir uma exposição, fui abordado por um rapaz que se identificou como poeta. Mostrou-me seu livro publicado, que costumava vender nos arredores da Paulista. Gostei das poesias! Esclareci que iria entrar no museu, mas que na saída eu compraria um exemplar. Perguntei o valor e ele respondeu vinte reais.

Na volta, não o encontrei. Fui visitar outros pontos da Avenida. Algum tempo depois fui à Casa das Rosas, (para quem não conhece: outro importante ponto cultural das proximidades, mas este dedicado inteiramente à Literatura). Ao sair, já estava escurecendo e eu vi o vendedor dos próprios livros, que se identificava como poeta, no portão. Outras pessoas saíam também àquela hora e ele gritava com o livro em riste: "Livro de poesia por dez reais! Poesia a dez reais!". Fiquei estarrecido. Perdi até a vontade de comprar. Livro não é peixe. Achei aquilo um desrespeito com ele próprio.

O vendedor (depois disso já não mais o considerava poeta) me fez lembrar outras pessoas com o mesmo perfil, mas de qualidade escrita bastante inferior, frequentadores de sarau e que vendem seus livros publicados de forma independente em feiras pequenas.

Manja? O sujeito que chega à frente de todos, posa para o microfone, abrindo um impresso à semelhança de um profeta a desenrolar um pergaminho e desfilando palavras amontoadas, às vezes do mais puro mal gosto. E com uma espantosa certeza no tom da voz e no brilho dos olhos de que vai causar uma reviravolta em quem escuta. Palavras que, quando ditas, fazem saber os que escutam, ao menos aqueles que têm algum conhecimento em Literatura e outras artes, o quanto as palavras são pobres e o conhecimento daquele infeliz é limitado. Criação de quem viveu uma vidinha regrada, sob as rédeas de uma religião, sem aventuras, sem ousadia, sem grandes acontecimentos, sem experiências interessantes, ou qualquer outra coisa que justificasse uma criação literária. Tudo excessivamente comportado, tal qual a imagem do aluno à frente da professora que corrige a redação dele, ansioso por uma boa nota. Como os calouros comportadinhos e penteadinhos de Raul Gil.

E aquele outro sujeito (ou talvez, para nossa infelicidade, o mesmo!), que tem seu livro sobre uma mesa ou prateleira, num estande de feira, abordando os visitantes e pedindo para comprar seu livro? Mostra a capa, lê trechos e põe a cara a tapa para a possibilidade de ter escolhido uma pessoa sincera (ou grossa, ou ambos) o bastante para dizer que não gosta / gostou do que ele escreve. Mais uma vez: livro não é peixe. Escritor (?) que banca o feirante é o fim.

José Antônio Dias
Enviado por José Antônio Dias em 07/03/2018
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