PALAVRA HOMÓFONA OU HOMÓGRAFA, NAS RIMAS?

Em Poética, particularmente na Poesia (que é a sua especificidade esteticamente mais apreciada) todo o conjunto textual é fundamentalmente assentado no ritmo, valendo-se de sons aliterados, assonâncias, e outros recursos. Um esforço intuitivo e de artesania, enfim, para que tudo fique redondinho quanto à sonoridade, soando e agradando aos ouvidos do poeta-autor e ao conjunto estético-sensitivo do poeta-leitor. No rigor técnico para efeito de andamento rítmico, não importa se a palavra em rimação – a que funciona para rimar – é homógrafa (mesma grafia), e sim o que consta como verdadeiramente importante é se o vocábulo tem o mesmo som, vale dizer, se é homófono. Afinal, a Poesia, originalmente, não nasceu para ser escrita e, sim, verbalizada. Por essa e outras razões é que os gregos não a grafavam, e, sim, cantavam-na em loas aos deuses, e deste singelo modo, louvavam a vida individual e em coletividade. Na Média Idade, surge o menestrel acompanhado (ou não) de um instrumento de cordas, cantando em rimas para fofocar a vida dos abastados nos castelos, especialmente através da figura do bobo-da-corte – o trovador medieval – que fazia versos contando o riso e a dor ao som do alaúde, o primitivo violão. Nas feiras de artesanato de todas espécies e estilos, em torno dos castelos medievais (que era o local onde circulava o dinheiro como moeda de compra e venda, bem como o escambo, a simples troca de objetos), o bardo medieval aprendeu que a arte poética dava algum dinheiro ao intérprete e desta sorte mitigou a (sua) fome, e sobreviveu honestamente cantando a desdita e o amor, já que a crítica aos da nobiliarquia resultava em prisão, desterro e até na condenação à morte do cantador que entrava em desgraça ante a nobiliarquia reinante em cada gueto territorial. Em regra, os cantadores eram homens do povo com facilidade de oratória, tudo assestado e assentado no ritmo da produção original da voz humana. A eterna arte “corria frouxa” nas camadas populares. Não foi certamente nos círculos de nobreza que nasceu o poema cantado pelos vates, e sim na arena pública proletária, protegidos pelos donos do poder de então, que passaram a ser conhecidos por "mecenas". Alguns até se galardoaram e sobressaíram na poesia culta dos saraus, nos recintos principescos, por gosto e gozo, mas não por ofício. E assim chegamos ao séc. XV, com Gutenberg, gravador e gráfico do Sacro Império Romano-Germânico, considerado o criador do processo de impressão com tipos móveis – a tipografia. É a partir daí, com a facilidade do registro lavrado da criatividade oral dos bardos em seus repentes satíricos ou a improvisação de raiz lírico-amorosa, que se foi popularizando a Poética, na velha Europa. Então, como querer sobrepor-se, na TROVA LITERÁRIA, em vez do som, a grafia do vocábulo? Negacear, negar, ou recepcionar, no nordeste brasileiro, a voz errada do povo e sua magia, como, por exemplo, a arte popular de Catulo da Paixão Cearense ou a de Patativa do Assaré, contemporâneos do século XX? Acatei a instigação sobre a temática dos bardos e sua oralidade, e a palavra fluiu fácil para a discussão neste século fluente de vocábulos presenciais e através da virtualidade, em todos os recantos do mundo, via computador, e a extraordinária condutora do Novo que a internet representa e testifica. O que, sem dúvida, é uma boa oportunidade para relembrar a história humana frente à palavra grávida de mistério e de metáforas, só para esconder esse próprio e peculiar mistério do homem frente a si próprio e seus estranhamentos.

– Do livro OFICINA DO VERSO – O Exercício do Sentir Poético, vol. 02, 2015/18.

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