As idéias não têm vontade própria

Há uma teoria na crítica literária, da qual já tratou o professor Rodrigo Gurgel, que, em síntese, é a seguinte: Os escritores não imaginam todas as idéias que têm; são as idéias que se pensam, se criam, e escolhem um escritor, e se transmitem a ele, e ele, então, as escreve. A teoria em si é uma completa idiotice, e assume ares de seriedade porque apresentada por estudiosos e professores de literatura de universidades mundo afora e Brasil adentro. Não é sem razão que o professor Rodrigo Gurgel a tem como a tolice que de fato é. Acho que as pessoas que apostam em tal teoria, se não são loucas, têm um propósito: Impor uma idéia relativista da inteligência e da criatividade humanas, desmerecer os gênios e afagar o ego dos medíocres, dos desprovidos de inteligência, pois, é a conclusão óbvia a que se chega adotando-se como correta tal teoria, os gênios não são gênios, pois não foram eles que pensaram as idéias que eles escreveram, portanto, Shakespeare, Dante Aligheri e Cervantes, dentre outros gênios da literatura, não são gênios, pois as idéias as escolheram, e eles limitaram-se a escrevê-las, não tendo mérito algum ao escrevê-las, pois não foram eles que as pensaram; e os medíocres não são medíocres, eles apenas não foram, pelas idéias, escolhidos para escrevê-las. E assim é que se dá o desprezo ao esforço e ao trabalho do gênio e se oferece aos medíocres e muito deles vagabundos um conforto espiritual. Dá a entender tal teoria que os humanos são passivos no ato da criação artística, apenas receptáculos de idéias, e não seres ativos do ato criativo. Destrói a idéia de inteligência humana, reduzindo-a, pode-se dizer, ao inexistente. Tal teoria é tão absurda e, acredito, concebida, não por pessoas que nela acreditam, mas por pessoas que, usando delas, e as disseminando entre os candidatos a escritor, provocam-lhes confusão, roubando-lhes o desejo, se possuem algum, de se esforçarem e alimentam a inveja e o ressentimento dos medíocres, que, carentes de talento literário, perguntam-se porque as idéias escolheram outros para as escrever, e não eles. Tão absurda tal teoria, que pode ser arremessada contra ela própria: As idéias geniais, para serem escritas, têm de ser transmitidas para pessoas que têm inteligência para entendê-las, e só quem pode entendê-las poderá escrevê-las, e não os medíocres, então, elas só escolhem pessoas geniais; e as idéias medíocres só escolhem as pessoas medíocres. As idéias geniais que conceberam o Hamlet, o Macbeth, o Romeu e Julieta, tão geniais, que precisaram de um Shakespeare para entendê-las, e, entendendo-as, escreveram-las, e encontraram um Shakespeare, na Inglaterra, no século XVI; e as idéias que conceberam a Divina Comédia, que, de tão geniais, precisavam de um Dante Aligheri, pois só um gênio do porte de Dante Aligheri poderia entendê-las, e entendendo-as, escrevê-las, e o encontraram, na Itália, no século XIII; e as idéias que conceberam Dom Quixote de La Mancha, que, de tão geniais, precisaram de um gênio espanhol chamado Miguel de Cervantes Saavedra para, entendê-las, e, entendendo-as, retirá-las do mundo etéreo das idéias, e convertê-las em tipos alfabéticos, e o encontraram, na Espanha, no século XVI. E pensando assim o mundo das idéias volta aos eixos, e a escala de valores conserva-se intacta: Há gênios e há medíocres.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 21/03/2019
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