Monteiro Lobato e a crítica às profissões jurídicas

Monteiro Lobato e a crítica às profissões jurídicas

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, São Paulo, em 18 de abril de 1882. Registrado como José Renato Monteiro Lobato, mais tarde mudou o nome para José Bento Monteiro Lobato, ao que consta para valer-se das iniciais JBML e usar uma bengala deixada pelo pai, cujo nome era José Bento. A mãe do escritor chamava-se Olímpia Augusta Monteiro Lobato. Por imposição do avô, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1900.

Em meados da década de 1910 começou a publicar contos, crônicas, um pouco de crítica. Após vender a fazenda, mudou-se para São Paulo e fundou uma editora em 1918. Faliu sete anos depois e mudou-se para o Rio de Janeiro. Na então capital da República, colaborou na imprensa com certo destaque. Em 1926, seguiu para Nova Iorque e lá morou até 1931. Foi adido comercial brasileiro. Impressionado com o crescimento econômico dos Estados Unidos, dedicou-se a fazer proselitismo em torno da exploração do petróleo e do ferro.

Em virtude de intransigente luta em prol de soberania nos direitos de exploração do subsolo, foi preso, em 1941, por três meses. Seguiu para a Argentina em 1946, e lá viveu um ano. Ao retornar ao Brasil era um reconhecido e festejado autor de livros infantis. Morreu em 4 de julho de 1948 em virtude de um espasmo vascular. É sobre a seu desencanto para com o Direito do que trato rapidamente em seguida.

O curso jurídico foi uma imposição do avô, de quem herdaria a fazenda. As referências que Lobato fez do curso são irônicas, sarcásticas, zombeteiras, mordazes. Escreveu que o advogado era um filoxera social. A filoxera é inseto que ataca as raízes e faz secar as folhas das plantas. A imagem é absolutamente contundente na proporção em que nos revela o juízo de Lobato a propósito da advocacia. Para o escritor, o advogado era um inseto que atacava raízes e fazia secar as folhas das plantas. Percepção mais pessimista da profissão não pode haver.

Depois de rápida passagem por Taubaté, terra do avô, foi designado promotor em Areias. Não gostava do júri. Detestava acusar os pobres réus. Afastava-se do tabelião. Não tinha vínculo com o juiz, de quem não considerava um aliado. Acredita que o processo penal em um âmbito civilizado é o processo acusatório, e não o inquisitório. Nesse último, acusador e julgador se confundem.

Não lia autores de Direito. Jamais escreveu artigo jurídico. Deixou Areias e a vida de promotor, para a qual não se sentia talhado. Tudo era motivo para criticar o Direito, ou tudo que ao Direito se relacionasse. Criticava juízes que demoravam para despachar e sentenciar. Para Lobato, pior do que decidir mal é demorar para decidir.

Percebia o Direito como imposição do mais forte. Foi seu realismo que o incompatibilizou com o júri, e em sua atividade de escritor isso pode ser muito bem entendido. Lobato tinha incumbência de acusar réus que não admitia intimamente como culpados. E mesmo se a culpa fosse um fato, ele se angustiava, na medida em que pensava dentro de cânones deterministas: o criminoso era o resultado do meio.

Acreditava que a vida de quem vive no contexto da justiça é vazia porque as condições determinantes da justiça são estruturais, dependentes da justiça econômica, fundamentada na boa distribuição de renda. Lobato com mordacidade censurou as concepções clássicas da tripartição dos poderes, em interessante passagem, exemplificando que mais de uma cabeça é uma tragédia (a propósito das minhocas) e insistindo que a tricefalia é pura monstruosidade anatômica. Contestou Montesquieu.

Seu ceticismo radical indica uma incredulidade mórbida para com concepções formais dos campos jurídicos. Sua efetividade prática, seu espírito empreendedor e sua mobilidade fática repeliam o abstrato, o teórico, o conceitual, que desenham o Direito, como criação eminentemente cultural. Seu inconformismo constante o afastou das soluções impostas. Também, e com muita razão, a vocação determinada pelo avô ameaçou um ideal libertário que, numa perspectiva freudiana, valeu-se da vida para acertar contas com o passado. Monteiro Lobato é fonte permanente para estudo do Direito na Literatura, e de crítica para com o Direito e seus sequazes.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 26/11/2019
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