O vagar
Há um tempo para tudo.
Cada coisa tem o seu próprio tempo que não permite misturas nem improvisos: Há um tempo para trabalhar, comer, descansar, e para todas as outras coisas....
E há o vagar... que é um tempo diferente, e não deve ser confundido com o não ter o que fazer. Pois é o tempo por excelência, por assim dizer, uma espécie de habilidade natural que permite a quem a domina aproveitar o tempo em prol de si mesmo, ocupando-o no que mais gosta.
Que nos leva a venerar o tempo?
Desenganem-se os que pensam que é o tempo comum que nos sobra. Pois é precisamente o que nos falta.
Aqui, o tempo não chega e o trabalho não se dá feito.
Ter vagar, para nós alentejanos, refinados e pulidos na mais pura gema, não é ter tempo de sobra. E ainda bem. Pois se assim fosse estávamos bem lixados. Isso aqui nunca acontece, na verdade ele nunca chega... quanto mais sobrar.
Aqui, ter vagar é raro, e uma ocupação invejada. Um sacerdócio, na verdadeira acepção de palavra.
... Já agora para quem não sabe: Aqui no Alentejo, somos crentes requintados e devotissimos. Respeitar o passar do tempo não é apenas uma arte endémica. É também uma religião ancestral profundamente enraizada e celebrada das mais diversas formas:
Umas vezes em festas ensolaradas, garridas, agitadas e ruidosas, com comida e bebida à farta, e doutras... à sombra, quietos e em profundo silêncio, sem nada para beber ou mastigar, dando a falsa impressão de estarmos apáticos, moles, sonolentos e tristes.
Enfim... São assim os caminhos da fé: Misteriosos e Insondáveis para quem nos visita e não nos conhece.
Pois fiquem sabendo que o comportamento que acabei de descrever é um rito próprio, só para iniciados. Destinado apenas aos profundamente crentes, e por isso mesmo estranho a todos os incréus.
Aqui onde às vezes o vento não mexe uma palha e o calor do sol nos quer à viva força fritar a pele e torrar os miolos enquanto somos embalados pelo endémico e hipnótico mantra do canto monocórdico das cigarras até entrarmos numa espécie de limbo e ficarmos com aquele aspeto estranho de zombies ensonados e molengões que nos caracteriza.
... Aqui! Somos pluralistas e não nos poupamos a esforços.
Se derem conosco nesse estado de pura transcendência não nos digam nada, e por favor não façam barulho. Não nos perturbem. É assim que entramos em contacto com a essência e permanecemos em adoração:
Sempre no máximo. Extasiados e em verdadeira epifania.
Se também são crentes, não importa que religião professem.
Ajoelhem, e façam as vossas rezas.....
Contudo... Se costumais fazê-lo descalços, virados para Meca ou qualquer outro ponto do universo, com o rabinho para o ar, tende cuidado... sede breves e atentos: Andam por aí uns marmanjos que não são de confiança.
Ahhh... e não se esqueçam de nas vossas preces pedirem vagar. Porque diss`a gent nã empresta nem vendi. Aqui cada um trata d'arranjar o seu.
Desenrasque-se!
Aqui nada cai do céu.
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