NEURODIREITO – MODISMO OU NOVO RAMO DE PESQUISA DOUTRINÁRIA NA ÁREA JURÍDICA?

Os estudos dos fundamentos científicos de como o homem movido pelos instintos reage, realiza atos e fatos jurídicos de interesse do direito convida a pensar este homem numa nova perspectiva totalmente diferente da forma idealizada como vem sendo pensada ate hoje.

Legislar e aplicar o direito sem considerar os fundamentos básicos de como funciona o cérebro humano é relegar a teoria jurídica a um abstrato intelectual. Daí o conhecimento de que as ciências do cérebro e sua tecnologia estão suficientemente avançadas para levar o legislador e o operador de direito a bem compreender a relação cérebro/mente e dar compreensão a que o direito sem o entendimento das neuronas e do cérebro é passível de se tornar estéril.

Assim, o campo que hoje se denomina neurodireito é um novo ramo de pesquisa doutrinária na área jurídica que estuda as influências das funções cerebrais no pensamento jurídico. De outra forma, numa visão interdisciplinar, o neurodireito é atualmente compreendido como o estudo das influências das alterações das funções cerebrais no pensamento jurídico, desde a formação dos juízos de valores, éticos e morais em pessoas normais até o estudo das avarias causadas ao cérebro em decorrência de traumas.

O termo neurodireito (neologismo construído da aglutinação das palavras neurociência e direito) é bem recente e as pesquisas tentam localizá-lo historicamente por volta do ano de 1991, ano em que foi utilizado pela primeira vez pelo neurocientista e advogado americano J. Sherrod Taylor. À época, ele e equipe analisavam a forma de como determinadas lesões cerebrais podiam ter implicações legais em tribunal.

O livro de Sherrod Neurodireito: cérebro e lesão medular, ainda sem tradução para o português, tornou-se guia dos advogados de acusação e peritos médicos por ajuda-los a explicar as origens de comportamentos causados por lesões cerebrais, mesmo as mais complexas para um corpo de jurados leigos. Ao passo que analisa cada tipo de cérebro ou lesão na coluna vertebral, o livro fornece definições médico-legais, ilustrações e modelos que servem de instrução ao profissional sobre o melhor caminho a ser trilhado no campo da defesa criminal.

Dada a importância, o livro instruiu o julgamento do caso Daubert versus Merrell Dow Pharmaceuticals e, fixou por decisão da Suprema Corte, os padrões para a admissibilidade do testemunho de especialistas em tribunais federais americanos, janela aberta para a admissão de neuroimagens dos tribunais. (1)

A partir de década de noventa, denominada “década do cérebro”, o assunto passou a ser tratado “desde as portadas sensacionalistas de livros, revistas, blogs, jornais, etc., todos “inspirados” nos mais recentes resultados procedentes das investigações detalhadas do cérebro em funcionamento – já (...) [havendo] inclusive, autores que falam de uma nova área de conhecimento: o “neurodireito”. (2)

Neurodireito então é uma inequívoca realidade no mundo jurídico, com traços relevante nos tribunais por abordar a questão da responsabilidade criminal, possibilitar a previsibilidade de comportamentos criminosos e especular sobre possibilidades de tratamento, prevenção ou punição baseadas no monitoramento e tratamento das disfunções cerebrais. (3)

Mas neurodireito será mesmo uma nova área de conhecimento, podendo-se dela aferir um objeto, um método e uma finalidade?

Quanto ao objeto, alguns contestadores da cientificidade do neurodireito podem afirmar que este ramo padece de carência de objeto, por ser o crime objeto do direito penal. A interdisciplinaridade entre a neurociência e o direito realmente tem por objeto de estudo o crime, mas sob enfoque diferente do direito penal. Enquanto o direito penal como ciência normativa volta-se ao estudo do crime, enquanto ente jurídico, como conduta indesejada, vedando-lhe a prática sob a ameaça da imposição de uma pena, o neurodireito importa-se com a causa do crime enquanto fenômeno genético, ecossocial e acima de tudo derivado de disfunções cerebrais. Ou seja, o neurodireito investiga as causas e as influências da biologia do agente ativo ou as externas que levaram o indivíduo à pratica do delito.

Observava-se assim a existência de um objeto próprio, mesmo que este seja comum ao direito penal e com ele esteja intimamente relacionado. Enquanto o direito penal, por ser normativo, cuida do delito, enquanto fenômeno jurídico, o neurodireito o estuda, o delito sob o prisma de fenômeno produzido pelo cérebro. A autonomia do neurodireito como ciência, então, reside no fato de que apesar de outras ciências, como anatomia, fisiologia, biologia molecular, genética e comportamento terem também o cérebro, suas funções e disfunções por objeto único, o neurodireito o tem associado umbilicalmente ao direito penal.

Comprovado o objeto, passe-se ao método. Elemento caracterizador de todas as ciências, a utilização de métodos científicos, em realidade, não é exclusivo da ciência. Podemos concluir ser a metodologia, elemento essencial à cientificidade de determinado ramo da pesquisa, mesmo que não lhe seja exclusivo. A metodologia é um conjunto de meios já experimentados na área de conhecimento humano, que facilita, organiza e universaliza o andamento das pesquisas e obtenção dos resultados. Lakatos e Marconi conceituam o método como sendo “o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista”. (4)

Só o método científico, isto é, sistematizado, por observações e experiências, comparadas e repetidas, pode alcançar a realidade procurada pelos pesquisadores. Neste diapasão, o neurodireito utiliza o método experimental, naturalístico e indutivo no concernente ao estudo das funções cerebrais por meio de neuroimagens funcionais a fim de tratar possíveis doenças neurológicas.

As técnicas de imagem e rastreamento funcional do cérebro fornecem uma gama de possibilidades investigativas para a fundamentação dos conceitos teóricos da criminalidade. A aplicação destes métodos pode contribuir para a elaboração de estratégias terapêuticas que visem a recuperação e ressocialização dos delinquentes, bem como, ser uma fonte de evidências que auxiliem no esclarecimento dos mecanismos neurofisiológicos envolvidos na lesão e recuperação neurológica.

As técnicas não invasivas de imagem e rastreamento funcional baseiam-se na avaliação de parâmetros fisiológicos para a localização de áreas cerebrais específicas relacionadas com populações neuronais ativas.

A respeito da finalidade, tem-se a dizer que, como qualquer ramo do conhecimento científico, o neurodireito possui como finalidade própria a identificação de disfunções cerebrais que associada à criminalidade busca, a um tempo, justificar a causalidade que liga o autor ao fato e noutro, ressocializá-lo, evitando a reincidência da prática delitiva. Desta maneira, mediante o conhecimento das causas do delito, o neurodireito fornecerá elementos hábeis para a implantação de uma política criminal prospectiva voltada para a ressocialização.

Comprovado a existência do neurodireito como ciência autônoma, saber se os resultados dele advindos poderão um dia servir de motivação para a renovação dos postulados tradicionais do direito, tal não é questão simples de responder, como bem, observou Atahualpa Fernandes duvidoso de que tal ocorra por pelo menos três razões. (5)

A primeira delas é que os juristas têm personalidades conservadoras o que os torna refratários à ideia de que os dados científicos guiem suas convicções teóricas e práticas jurídicas. Tal ocorre por conta de o treinamento acadêmico os tornarem crédulos em ser o homem algo especial e que a vida mental projeta-se para além do conhecimento científico ou, ao menos, que se acha fora do alcance da neurociência.

A segunda razão é o temor de que os resultados da neurociência ameacem a imaculada noção de racionalidade que sem dúvida vincula-se aos problemas da interpretação e aplicação jurídica.

A terceira e última reside no fato de eles não entenderem que a medicina e o direito, embora continuem tendo suas próprias e separadas preocupações, são geradas por meio de um elemento material comum: o cérebro humano que para entender o entorno sócio cultural embrincou os dois ramos de conhecimento numa interdisciplinaridade sem volta.

Apesar do dissenso, pode-se afirmar que as investigações a cargo do neurodireito impactarão de certo modo o direito penal por trazerem à baila questões fundamentais acerca de que seja natureza humana, preocupação maior dos que produzem o conjunto institucional e normativo que regula as relações sociais.

Em resumo, uma sociedade ao atingir certo estágio de conhecimento, não retroage. Inicia a construção de novo paradigma. E se hoje, sabe-se que “se as propostas morais e jurídicas necessitam de determinados mecanismos cerebrais para ser processados” é chegada a hora de se olhar com bons olhos a interdisciplinaridade direito e neurociência, como instrumento fundamental para inibir a construção de “castelos normativos no ar”.

É nesse aspecto que o neurodireito que, se reitere, não é modismo, mas novo ramo de pesquisa doutrinária na área jurídica, se insere no mundo jurídico, oferecendo uma perspectiva totalmente diferente da forma como o direito penal vem sendo pensado e aplicado hoje.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. A partir de então, os tribunais dos Estados Unidos consideram que um laudo técnico (expert testimony) será confiável se for genuinamente científico, ao ser submetido aos critérios da teoria da falsificabilidade de Popper.

2. FERNANDEZ, Atahualpa; FERNANDEZ, Manuella Maria. Neuroética, “neurodireito” e os limites da neurociência. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 83, dez 2010. Disponível em: <

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8691

>. Acesso em nov. 2014.

3. LENT, Robert. A neurociência e a lei. Disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/bilhoes-de-neuronios/a-neurociencia-e-a-lei. Acesso em: 24 nov. 2014.

4. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 4a ed. rev. e amp. São Paulo: Atlas, 2001. p.83.

5. FERNANDES, Atahualpa. Direito e natureza humana. As bases ontológicas do fenômeno jurídico, Curitiba, Ed. Juruá, 2007; Atahualpa Fernandez, Argumentação jurídica e hermenêutica, São Paulo, Ed. Imprensa Jurídica, 2009; Atahualpa Fernandez e Marly Fernandez, Neuroética, Direito e Neurociência, Curitiba: Ed. Juruá, 2008.

José Erigutemberg Meneses de Lima, advogado, atuando em Blumenau (SC).