AS MATRIZES DA INFORMAÇÃO
 
 
Matéria prima e produto


Se você já visitou uma usina de processamento de resíduos alguma vez, então já sabe como isso funciona. Primeiro o material é separado por espécie, depois cada espécie é levada para um determinado lote, cada lote é triturado, decomposto ou compactado, dependendo da sua espécie, e depois vira matéria prima que é submetida ao processamento industrial que a transformará num produto novo. Adubo, plástico reciclado, vidro, metal para ser refundido, etc. tudo de acordo com a utilidade de cada resíduo.
Utilidade e função, esse é o critério segundo o qual os resíduos da nossa civilização são selecionados, reciclados e reaproveitados. Os nossos pensamentos, mal comparando, também são processados dessa forma. A maioria é resultado do lixo que a civilização produz. Se você não acredita nisso e acha a comparação muito forte, é só pegar os jornais do dia e ver o quanto de informação útil você aproveita nele; se isso ainda for pouco, rememore as conversas que você teve durante o dia, recorde-se do que leu e pense em quanto de utilidade você tirou de tudo isso; se você vai à escola, à universidade ou outro centro de ensino, faça um julgamento criterioso das informações que está recebendo lá e veja o quanto realmente é útil e necessário às necessidades que você tem de informação.
Pois é. A civilização moderna produz uma montanha de lixo cultural todos os dias e nós não temos como nos livrar disso, pois os nossos olhos, os nossos ouvidos e os nossos sentidos prioceptivos (tato, paladar, olfato), são como aterros sanitários que não têm portaria nem seguranças necessários para impedir que esses materiais entrem no território dos nossos sentidos.
As usinas de reciclagem mais modernas estão equipadas para processar todos os resíduos que a civilização produz. Nelas, entra lixo e sai produto útil. Mas nem todas são assim. Aliás, a maioria dos aterros sanitários nem de usina de reciclagem pode ser chamada.  São verdadeiros canteiros de compostagem de lixo, onde os resíduos são compactados e enterrados como se fossem cadáveres, para que a terra, através dos seus agentes de transformação, faça o trabalho de decompô-los e degradá-los, para que eles entrem, novamente, no ciclo vital do planeta. Mas alguns desses resíduos levam centenas de anos para serem decompostos e outros até milhares. E enquanto não se decompõem e degradam, ficam contaminando o meio ambiente por muito tempo. É o caso do plástico não reciclável e o lixo radioativo, por exemplo.

Crença é informação

 
Com a informação também é assim. Às vezes alguém lança uma informação na mídia oficial, ou na rede social. Ela é recepcionada pela mente das pessoas, mas nem sempre é devidamente processada pelos filtros da racionalidade e acaba virando crença, valor, critério de julgamento, etc. E essa crença, valor ou critério, muitas vezes, acaba contaminando o cérebro da pessoa por muitos e muitos anos. Um exemplo: algum dia, alguém propagou a informação de que haviam raças que eram superiores às outras. Houve quem acreditasse nisso e trabalhou essa informação, justificando-a e dando-lhe amparo filosófico. E desse processo nasceu a crença da superioridade das raças. Essa crença tem contaminado o meio ambiente espiritual da humanidade há milênios e já foi responsável por mais mortes no seio dela do que a maioria das epidemias ou dos cataclismos naturais que a produção de resíduos da civilização
moderna já causou.[1] 
Crenças religiosas tomadas ao pé da letra e transformadas como justificativa para ações políticas também podem ser analisadas desse modo. Guerras e atentados em nome da religião já mataram mais pessoas do que a radiação das bombas atômicas detonadas no globo terrestre, somadas a todos os atentados aos ecos sistemas do planeta.       
     Pensamentos e ações úteis e eficientes para o progresso do ser humano e sua civilização são como os produtos que saem das nossas linhas de produção. Se a matéria prima for boa já temos meio caminho andado para que o resultado final seja bom. Mas matéria prima de boa qualidade não é tudo. É preciso saber processá-la. Em todo lote de informação que entra em nossa usina de pensamentos existe um tanto de boa e má qualidade. É impossível escolher, num mercado contaminado de ideologias, interesses e crenças já formadas, como esse em que vivemos hoje, uma informação pura, natural, isenta de qualquer meta-mensagem destinada a fazer proselitismo. Daí a necessidade de saber processá-la bem, para que ela não entre como lixo e saia da nossa cabeça como outro lixo, às vezes mais contaminado ainda do que a matéria prima que lhe serviu de base.
Em virtude da multiplicação das redes sociais, esse processo hoje está mais difundido e sofisticado ainda do que há alguns anos atrás. Os chamados “formadores de opinião”, que antes se encontravam nos púlpitos das igrejas, nas cátredas das universidades e nos veículos de comunicação da mídia impressa, falada e televisada, se multiplicaram graças aos modernos meios de comunicação. São raras as pessoas, na atualidade, que não participam de alguma rede social e não são influenciadas por algum formador de opinião desconhecido que posta notícias e opiniões a ele repassadas sem passar por nenhum filtro de confirmação ou prova de veracidade. E dessa forma o lixo entra e o lixo sai da nossa usina mental com uma quantidade e uma velocidade que dificulta ainda mais o processo de elaboração sadia das nossas crenças, valores e critérios de julgamento.
 
O sofisma da composição
 
Esse é um dos grandes problemas da nossa vida moderna. Porque os nossos processadores de informação são os valores que adquirimos ao longo da nossa vida. E esses valores são conseqüên cias diretas das crenças que assumimos como verdadeiras ou falsas. E a única forma de analisar a veracidade de uma crença é perguntar que tipo de bem essa crença faz para o ambiente em que vivemos. Que tipo de bem fará para nós acreditarmos nisso ou não.
Crenças são úteis ou inúteis. Dão resultados bons ou ruins para a vida da sociedade. Fazem bem ou fazem mal. Crença não é religião. Crença é uma disposição de espírito que nos induz a ver uma coisa de determinada forma.  Geralmente a crença é resultado de um sofisma de composição, ou seja, a gente 
vê a coisa de um determinado modo e essa visão é a verdade para nós.[2]
Torna-se um valor segundo o qual julgamos tudo o mais, pois então tomamos a parte pelo todo e o que é verdade para nós deve ser verdade para todo mundo. E mesmo que sejamos tolerantes a ponto de aceitar que outras pessoas possam ter crenças diferentes, não é sempre que estarmos dispostos a acolher a verdade da crença alheia porque isso implicaria em enfraquecer, ou até mesmo renunciar à verdade da nossa.
Religião é uma forma de exercitar uma crença. Quem mata alguém por causa da sua religião não está matando por crer em alguma coisa boa. Mata para fazer valer sua forma de acreditar. É a aplicação do sofisma de composição na sua necessidade de provar poder. Crenças não são resultado de experiências científicas, mas sim resultados de deduções do pensamento humano. E todo resultado do pensamento em que a dedução foi o único processador, está contaminado por julgamentos particulares.
Inclusive este que eu estou produzindo. Veja se tem alguma coisa de útil nele, e serve para o que você precisa. Se achar que não tem, jogue fora. Ninguém precisa acreditar em nada do que lhe dizem. Acredite se quiser e se achar que vai lhe fazer bem. Teste a informação.
Veja se lhe faz bem acreditar no que dizem, mostram ou fazem você sentir.
 
 
[1] Essa crença foi responsável pela instituição da escravidão humana e também responde pela maioria das guerras de dominação que a história da raça humana registra. E foi também responsável por outra crença que muito tem influenciado a história dos povos, que é a ideia de que Deus tem preferências e “faz escolhas” entre indivíduos e povos, para representá-lo na terra. No fundo, ambas as crenças têm a mesma raiz e já foi geratriz de muitos conflitos no mundo. 
[2] O sofisma da composição é uma espécie de vício de pensamento no qual a nossa mente foca um aspecto de um conjunto em detrimento de todo o resto desse conjunto. A figura acima é um exemplo do sofisma da composição, O desenho mostra um homem tocando saxofone ou um rosto de mulher? Isso, em psicologia, é uma gestalt, ou seja, uma imagem na qual o nosso sentido visual "informa" á nossa mente, em princípio, aquilo que a nossa mente quer ver. E a mente sempre formata suas gestalts, ou seja, suas representações da realidade segundo suas crenças, valores, desejos etc.. Nas ciências sociais, o sofisma da composição designa um raciocínio falso onde o todo é "julgado" pelo que se vê em uma de suas partes.