Deus no real?

Wilson Correia

Tenho acompanhado com interesse de leitor que visita jornais a peleja que operadores do direito e alguns religiosos travam a respeito da solicitação dos primeiros para que o judiciário brasileiro ordene a retirada da expressão “Deus seja louvado” das cédulas de Real –isso em nome do Estado laico, que não deve se misturar com assuntos do Reino dos Céus.

Entre as muitas coisas que li, uma delas me chamou a atenção por um motivo trivial: ela afirma o que me veio à cabeça durante essas leituras (‘in verbis’, como dizem nossos ministros do judiciário): “Penso que o ‘Deus seja louvado’ deveria ser retirado por uma razão mais prosaica: cédulas, bem como as paredes de tribunais, não são um lugar adequado para manifestar a adesão a crenças religiosas. (...) O que me surpreende nessa história é o fato de religiosos não serem os primeiros a protestar pela inclusão do nome de Deus em algo tão profano e mal-afamado como o dinheiro” (Hélio Schwartsman, ‘Folha de S. Paulo’, 18/11/2012).

De fato, a “auri sacra fames” (sagrada fome de ouro) tem no dinheiro o seu ‘habitat’ e seu porto seguro. Por conta dessa “sagrada fome de riqueza”, expressa pelo dinheiro, muito se matou e se mata. Aliás, é mais ou menos isso o que lemos em Sófocles, que põe a boca de Creonte a dizer: “Nada suscitou nos homens tantas ignomínias como o dinheiro. O dinheiro é capaz de arruinar cidades, de expulsar os homens de seus lares. (...) Ensina ao mortal os caminhos da astúcia e da perfídia, e induz a realizar obras amaldiçoadas pelos deuses” (Sófocles, ‘Antígona’, 295-301). Que o digam os devotos da “teologia da prosperidade”, os vendedores midiáticos de Deus nos dias atuais, ávidos pelo poder que o ouro possibilita.

Nada, pois, mais atual do que a constatação nietzscheana a esse respeito: “O que antes se fazia ‘por amor a Deus’ se faz hoje por amor ao dinheiro, quer dizer, em nome daquilo que agora dá a máxima sensação de poder” (Nietzsche, ‘Aurora’, 204).

Não me resta dúvida de que um Estado laico, indiferente a deuses e crentes, seja o mais indicado para nós. O que me causa espanto é ver gente adoradora de Deus não protestar ao ver o nome d’Ele assim em uma cédula, escrito em vão. Será que Paulo, o Apóstolo, ainda é ouvido quando diz que “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”? (1 Timóteo, 6,10). Ou esse amor se transmutou em algo que compensa, a ponto de se fazer inscrever “Deus seja louvado” em nosso dinheiro como sua inequívoca demonstração?