De Alma-Ata até “Mais Médicos” - A Trajetória do SUS

Milton Pires

Toda vez que alguém fala em saúde pública no Brasil deveria fazer uma associação com o movimento revolucionário comunista. Infelizmente é muito obscura, para a maioria das pessoas, a ligação de uma coisa com a outra tanto no nosso país quanto no mundo ocidental.

Lembrando que o “Manifesto do Partido Comunista” foi publicado em 1848, os estudantes de marxismo esquecem que “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”, de Engels, é de 1845. Antecedendo, portanto, em três anos o marco histórico dessa doutrina esse livro evidencia as preocupações do autor com questões que são, até hoje, objetos típicos do estudo em saúde pública. Ainda que o final do século XIX e o início do XX tenham sido marcados por preocupações que ficam muito melhor definidas no conceito de “sanitarismo”e pelos movimentos de minorias como, por exemplo, o das mulheres inglesas na luta pelo direito ao voto, foi também esse o período de apogeu da adição ao ópio e à morfina bem como da constituição das bases daquilo que mais tarde seria o tráfico internacional de drogas – hoje uma grave questão de saúde pública no Brasil.

Não é o objetivo desse texto reconstituir aquilo que Moacir Scliar, ele mesmo um marxista, chamou de “A Trajetória da Saúde Pública”. Nós não iremos do “mágico ao social” aqui. Afirmo eu que, talvez mais felizes pudéssemos ser dizendo que vamos “do social ao revolucionário”.

Entre os dias seis e doze de setembro de 1978, na cidade de Alma-Ata (antiga URSS), por ocasião da “Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde”, 134 países assinaram uma declaração salientando a interferência da desigualdade social nas políticas de saúde, ressaltando o papel que a lacuna entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento representava e exortando as nações à cooperação, na busca pelo objetivo comum da saúde - fator que contribuiria para a qualidade de vida e para a paz mundial. A declaração defendia tal cooperação como direito e dever de todos, individual e coletivamente.

Não cabe aqui entrar em detalhes sobre a Conferência de Alma-Ata. Basta chamar a atenção sobre dois aspectos: seu caráter globalista e a associação feita entre saúde pública e “paz mundial” (seja lá o que isso significasse na época para os signatários). Depois de 1978 saúde passa a ser, portanto, uma questão de “justiça social” e é obrigatório concluir que só aqueles “iluminados” pela noção politicamente correta de justiça social poderão definir os rumos da saúde pública. Não preciso dizer nem provar que toda essa área da medicina passou a ser conduzida, no Brasil e no mundo, por médicos marxistas, não é?

Pois bem, a partir de 1979 e mesmo em pleno regime militar, começa-se a definir no meio acadêmico brasileiro os rumos da saúde coletiva. As disciplinas de “medicina comunitária”. “saúde da família” e tantos outros eufemismos passam a integrar os currículos das faculdades de medicina com um só objetivo – ensinar marxismo aplicado à saúde aos futuros médicos! A década de 1980, com o advento do Partido dos Trabalhadores reforça cada vez mais o projeto que – a despeito da queda do Muro do Berlin – habita a mente dos futuros doutores. Em dezenove de setembro de 1990 a Lei 8080/90, assinada pelo Presidente Fernando Collor, torna o sonho real: nasce no Brasil o maior, mais completo e mais planejado sistema de saúde comunista do mundo – O Sistema Único de Saúde (SUS). Não há espaço aqui para detalhar a complexidade, a natureza delirante e o caráter utópico dessa maneira de tratar a saúde pública. Já escrevi um dia que seu mentor foi, no nosso país, um médico falecido em 2003, ex-deputado federal pelo PC do B e, ele mesmo, “assessor” para saúde durante a Revolução Sandinista na Nicarágua: o Dr. Sérgio Arouca.

Façamos agora um salto no tempo: é de 35 anos o intervalo que separa a Conferência de Alma-Ata e a Medida Provisória 621 editada pelo Governo Dilma. Esse período foi o intervalo necessário para que os sucessivos governantes do Estado brasileiro ficassem convencidos de uma coisa – não foi possível produzir no país o número suficiente de médicos comunistas necessários para fazer funcionar o Sistema Único de Saúde! Ainda que negado, o fato é claro para a população que hoje, assim como o Governo e os médicos, percebeu que o sistema definitivamente não funciona.

Do ponto de vista prático, colocando-se no lugar de gestores comprometidos com Cuba e com os narco-guerrilheiros colombianos, desesperados para se manterem no poder depois de 2014, só poderia haver três soluções para o caos na saúde pública brasileira: a primeira seria obrigar todos os médicos a trabalharem no SUS e onde o governo determinasse. Isso, graças a Deus, ainda não é possível. A segunda; trazer médicos comunistas para atuarem no Brasil e a terceira modificar mais ainda o processo de formação acadêmica no nosso país. Não preciso dizer para vocês o que foi feito. Lembro apenas que a última possibilidade, a interferência na formação médica, foi substituída pela modificação da nossa especialização – a residência médica.

Compreender todo esse processo do ponto de vista histórico é fundamental para saber o porquê do Programa Mais Médicos. Mais do que isso, esse entendimento é vital para perceber a gravidade do erro cometido pelo Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) ao aceitar que os registros profissionais fossem fornecidos pelo Ministério da Saúde ao invés dessa autarquia. Quando fez isso, Roberto Luiz D'Avila tentou evitar a criação do “Fórum Nacional de Ordenação de Recursos Humanos na Saúde” – entidade que, uma vez real, seria capaz de conferir ao PT um poder sem precedentes em termos de gestão dessa área no Brasil.

Tomando-se como verdadeiro tudo que escrevi, nada mais ingênuo do que acreditar que o Partido-religião vá manter a sua palavra. Ele, partido, não sofre esse dilema e não tem essa escolha. O plano de Alma-Ata continua em andamento com plena força e vigor.

Porto Alegre, 11 de outubro de 2013.

cardiopires
Enviado por cardiopires em 11/10/2013
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