O JURAMENTO DE HIPÓCRITAS

Milton Pires

“Juro por Apolo Médico, por Esculápio, por Higí por Panaceia e por todos os Deuses e Deusas que acato este juramento e que o procurarei cumprir com todas as minhas forças físicas e intelectuais.

Honrarei o professor que me ensinar esta arte como os meus próprios pais; partilharei com ele os alimentos e auxiliá-lo-ei nas suas carências.

Estimarei os filhos dele como irmãos e, se quiserem aprender esta arte, ensiná-la-ei sem contrato ou remuneração.

A partir de regras, lições e outros processos ensinarei o conhecimento global da medicina, tanto aos meus filhos e aos daquele que me ensinar, como aos alunos abrangidos por contrato e por juramento médico, mas a mais ninguém.

A vida que professar será para benefício dos doentes e para o meu próprio bem, nunca para prejuízo deles ou com malévolos propósitos.

Mesmo instado, não darei droga mortífera nem a aconselharei; também não darei pessário abortivo às mulheres.

Guardarei castidade e santidade na minha vida e na minha profissão.

Operarei os que sofrem de cálculos, mas só em condições especiais; porém, permitirei que esta operação seja feita pelos praticantes nos cadáveres.

Em todas as casas em que entrar, fá-lo-ei apenas para benefício dos doentes, evitando todo o mal voluntário e a corrupção, especialmente a sedução das mulheres, dos homens, das crianças e dos servos.

Sobre aquilo que vir ou ouvir respeitante à vida dos doentes, no exercício da minha profissão ou fora dela, e que não convenha que seja divulgado, guardarei silêncio como um segredo religioso.

Se eu respeitar este juramento e não o violar, serei digno de gozar de reputação entre os homens em todos os tempos; se o transgredir ou violar que me aconteça o contrário.”

Peço desculpas ao leitor se começo o texto assim, mas não teríamos nós, médicos brasileiros, outra chance de descrever o que sentimos quando partem daqueles que atendemos as perguntas cujas bases vem da indagação - “onde fica o seu juramento, doutor?”

Tudo que está escrito no primeiro parágrafo é aquilo que jurei em 1994 quando me formei em Medicina. A redação dessa promessa foi elaborada na Grécia no período em que viveu seu autor: entre 460 e 370 antes de Cristo.

Ajudem-me se eu estiver errado: onde, naquilo que está escrito originalmente em grego, está a promessa de atender absolutamente qualquer pessoa gratuitamente? Em que linha vocês encontraram o aviso de que o médico pode ser interpelado em situações sociais as mais diversas para dar uma “olhadinha” numa mancha de pele? Estava feita no juramento a promessa de que os médicos seriam pagos pelo governo grego ou por alguma cooperativa de seus colegas?

Sabem vocês, não médicos, o porquê da nossa indignação? Porque o Juramento de Hipócrates transformou-se no Juramento do SUS e é hoje “carta na manga” de todos aqueles que querem atacar os médicos brasileiros pela sua “falta de humanidade” e “indiferença com relação ao sofrimento”.

Hipócrates pertencia a um mundo e a uma época em que igualdade entre desiguais era considerada injusta. A democracia ateniense nada tinha em comum com o delírio estatístico que faculta o voto dos analfabetos e dos presidiários, que governa com Bolsa Família, ou que compreende que justa é a sociedade onde existe “saúde, educação e segurança”. O mundo grego não pretendia se dizer justo por ser democrático; ele era democrático porque pretendia ser justo e advirto ao leitor que não tente ver nessa minha frase um mero “jogo de palavras”...uma mera “pegadinha” como aquela feita pelos que perguntam quem veio antes – o ovo ou a galinha?

Atenas ensinou ao mundo que a busca da verdade começa com o indivíduo e com uma vida que preza o belo e o justo na sua escala mais íntima..mais pessoal. Nada de transcendente, de eterno ou de sagrado nasceu do convívio politico da pólis, mas do recolhimento e da vida privada capazes de mostrar o quão perigoso pode ser dar sentido à realidade a partir da opinião comum. A verdade que vem das massas é o apelo da paixão, da sensualidade e do apelo material da forma capaz de esconder aquilo que só o pensamento pode contemplar e é assim que ela, verdade, se perde no tempo...é assim que fica para trás ou é distorcida como foi feito com o que foi jurado pelos primeiros médicos gregos..

Levado aos usuários do SUS por uma imprensa covarde e citado num país governado pela ralé petista, o juramento de Hipócrates perdeu todo seu sentido: quem se forma em medicina faz o juramento de original. Quem chefia os médicos brasileiros no SUS, quem serve de orientador aos médicos cubanos ou dirige a saúde brasileira massacrando os colegas perante a opinião pública faz o Juramento dos que não foram suficientemente decentes para serem médicos nem completamente corruptos para entrar para política – o Juramento de Hipócritas.

Dedicado com muito carinho aos “colegas” do Ministério da Saúde..

PORTO ALEGRE, 11 DE ABRIL DE 2014.

cardiopires
Enviado por cardiopires em 11/04/2014
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