Programa Escola sem Partido e seu plano de alienação social

Acabo de ler o anteprojeto de lei "Escola sem Partido", formatado pela mais bruta ignorância (ou má inteligência) e por claras intenções de imbecilização do processo de ensino/aprendizagem, tão caro a nós professores e educadores compromissados.

O anteprojeto prevê que o professor em sala não tem direito de expor suas ideias políticas, mas apresentar as diversas teorias com igual intensidade. É claro que o governador Beto Richa e sua cúpula de interesse, depois do massacre de 29 de abril, teriam que se alarmar contra a revolta em torno de si. Destarte, entre os desmandos do texto de lei, que julga o professor um doutrinador e o aluno um frágil repositório de suas ideias, há, por exemplo, a proibição de se incitar os alunos a participar de protestos. É claro! O que ganha um sistema político corrupto com protestos e reivindicações? Se o aluno for educado apenas para o mercado de trabalho, estará conformado em sua situação e não conhecerá em si a palavra cidadania, esquecendo, na correria e dinamicidade desse mercado, de seus direitos políticos. Sem consciência de que sejam cidadãos, serão máquinas organizadas pelo sistema, para servir, simplesmente.

Um segundo item de grande ênfase é a liberdade dos pais e alunos em ter a educação moral de seu lar, o que proíbe a escola de tratar de temas como religião e diversidade, principalmente sexual. As teorias de gênero são abominadas pelo texto; ou seja, tudo o que não é “macho e fêmea”. Esses tópicos colaboram com a ausência de reflexão, que, com o projeto posto em cena, dominará as escolas.

O texto ainda julga que moralidade e religião são indissociáveis, esquecendo, talvez, que mesmo quem não seja religioso ou seja ateu segue conceitos morais culturais. O resumo é o seguinte: Associando moralidade com religião e propondo a não reflexão acerca da diversidade, entendemos o espírito religioso acima do cultural ou do pessoal, o que faz com que a cultura e o eu sejam sobpostos à religião e a convivência humana seja determinada por leis ditas divinas. Ou seja, voltamos à ignorância dos processos coloniais de aculturação, quase sem perceber. Os mesmos que julgaram o africano e o afrodescendente, e o indígena como animais, por viverem em erro, em pecado, primitivamente. O mesmo que matou muitos homossexuais com o apoio da lei. O anteprojeto quer, portanto, retornar ao passado, à tradição, à idade média ou à inquisição, o que não vem para o bem da sociedade nem admite o ser humano como igual em direitos, segundo a sua cultura e sua moralidade. A mesma atitude de quem recusou sob pena de morte que a terra não fosse o centro do universo e que os astros giravam em torno do sol.

Isso me faz pensar qual a consciência sobre educação que têm esses imbecis! Eles chegam a afirmar, no texto, que os alunos são obrigados a usar os livros didáticos e os textos que os professores escolhem, então que lhes são impostas leituras ideologicamente organizadas. Mas, se os alunos tivessem maturidade para a escolha de livros didáticos, não teríamos mais muito o que ensinar, teríamos avançado para um sistema de educação anárquico, — e todos sabemos que não há maturidade para tal sistema em praticamente toda a sociedade, brasileira e estrangeira (salvas raríssimas exceções, se houver).

Já pensou se os nossos alunos escolhessem a matéria-prima de nossas aulas? Por exemplo, se escolhessem as músicas a ser executadas pelo professor de artes, quando contemplasse esse eixo... Com certeza, nenhum professor trabalharia nem com sumidades como Chico Buarque de Holanda, Vinícius, Clara Nunes, muito menos um Mozart ou um Egberto Gismonti. Claro que não. Executaria, em suas aulas, o que se ouve nos rádios e não teria controle algum, nem sobre o vocabulário das canções, nem acrescentaria nada à vida dos alunos, nada que já não soubessem. Não haveria, pois, razão de lecionar. Muito menos paixão pelo que se faz, o que tanto dizem que temos de ter. Além do mais, em grande parte, se não fosse o professor a selecionar, não se optaria por conteúdo algum, prefeririam sim recreio a todo tempo!

Creio nas opiniões dos alunos, centro do debate de ideias em sala de aula. Por isso, sempre proponho ouvir suas músicas, escreverem seus textos, falarem sobre si e sobre o que creem. Agora, não sejamos insensatos a ponto de documentar infantilidades, pelo nítido propósito de culpabilizar e vedar a atividade dos educadores, em prol de safarmo-nos em nossa corruptibilidade!

Não há um cidadão que apoie esse tipo de afronta ao progresso em forma de lei que não seja um conservador alienado. Todo cidadão que acompanha ideias como as dos atuais neoliberalistas — Beto Richa, Aécio Neves, Alckmin e os outros todos, à frente e por trás da cena, grandes e pequenos em nome — que não seja um conservador conformado, desejoso no fundo por manter as coisas ultrapassadas, com propósitos antidemocráticos e aristocráticos, individualistas, mesmo que seja 3 vezes pós-doutor. E, se não o deseja, está no lugar errado, onde as ideias não têm nada a ver com os seus ideais.

Se houvéssemos conservado as coisas como estavam, haveria escravos negros (como ainda há) trabalhando e sendo mortos como animais; umbandistas sendo apedrejados em praça pública, como bruxos; mulheres sendo acorrentadas aos lares como inúteis seres que servem tão-somente ao homem etc. Quanta revolta com a igualdade dos seres humanos!

O vinte e nove de abril, o massacre aos professores, é claro que tem que ser refletido e trabalhado em sala de aula, em suas concernentes disciplinas. Pois, não estamos falando de ideologia partidária, mas de um fato histórico representativo, tanto quanto de uma atualidade que, por ventura, possa ser tema de uma redação de concurso.

Nesse caso, eu, como professor de língua portuguesa, ao corrigir uma redação sobre o vinte e nove de abril, não importa a posição do autor, corrigiria a estrutura, os aspectos formais, a conexão entre as ideias etc. Contudo, quando a dialogar sobre o tema com os alunos, jamais seria capaz de ser imparcial e dizer que o governo atual tem suas razões. O desmonte proposto à escola pública é sabido por todos e danifica nossa educação por completo! Apresentaria, pois, todos os meus argumentos, não para incitar os alunos a pensar como eu, mas para que eles não sejam inocentes de acreditar apenas no que a TV e as mídias compradas pelo governo dizem. Eles já têm o lado alienante, meu papel é desenvolver a criticidade deles, argumentos que se unam ou confrontem os seus.

Portanto, o anteprojeto representa uma das maiores idiotices publicamente assumidas, de maneira maliciosa, é claro, que já li em toda a minha vida. Faz parte do jogo político mais sujo, que propõe a alienação e o conformismo como cernes da vivência social. Ao ser aprovado, participaremos de um processo inquisitório amedrontador, em que o professor e toda a sociedade vindoura estarão nas mãos frias dos individualistas, os quais crescerão em poder, esmagando aqueles que não lhes sirvam — em ideologia.

Por favor, não sejamos tão pobres de espírito aceitando que um tal absurdo aconteça! Leia o texto assustador e o veja com suas próprias ideias aqui: http://escolasempartido.org/component/content/article/2-uncategorised/484-anteprojeto-de-lei-estadual-e-minuta-de-justificativa.