A política da incerteza

“Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo.” (Éça de Queiroz)

Difícil foi assistir meio estarrecido, assombrado e bobo aos pronunciamentos dos deputados no Congresso Nacional Brasileiro que deram início ao processo de impedimento da Presidenta Dilma Rousseff. A data, 17 de abril de 2016, é de suma importância, pois marca um momento histriônico, carregado de incertezas e que paralisou um país que viu em pleno domingo um parlamento funcionar. De tudo o que já se escreveu e do que ainda vai se escrever, creio ser oportuno destacar alguns argumentos que, por certo, perpassam a cabeça de um brasileiro mais ou menos informado.

Em primeiro lugar, é bom que se marque com fortes tintas os apelos dos deputados: o “em nome da mãe”, “em nome do pai”, “em nome dos filhos”, “em nome dos amigos” e outros familiares, não deveria nos causar tanto mal-estar. O Brasil é um país forjado em alicerces familiares. Desde a Casa Grande sabemos que os patriarcas sempre auxiliaram e deram preferência à família, aos amigos, aos chegados e aos agregados de toda ordem. Como já dizia Sérgio Buarque de Holanda, em sua obra “Raízes do Brasil”, o brasileiro é avesso às impessoalidades e sua marca é a personificação do outro, principalmente quando este “está do seu lado”, “reza pela sua cartilha” ou “lhe pode garantir benefícios”. Em outras palavras, “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. Pela falação do dia 17 de abril, acho que deu para entender.

Em segundo lugar, é preciso dizer que todo processo que coloca a democracia em xeque é extremamente perigoso para um país. Não exagero: o próprio Sérgio Buarque de Holanda já dizia que a democracia no Brasil era um mal entendido, justamente para mostrar que este modelo de governo aqui nos trópicos é muito frágil e do ponto de vista histórico não faz muito tempo que o senhor José Sarney chegou ao poder em um acordo pró-presidencialismo de coalizão que sua única saída foi afundar o país em uma triste e grave crise econômica e financeira. O mesmo aconteceu com Itamar Franco. Respeitadas as diferenças dos dois governos em ambos o Brasil ficou à deriva por um bom tempo e uma penumbra baixou sobre a democracia e sobre a política econômica cuja temática se firmou em torno do desemprego. Logo, somos um país no qual a política não aparece com a força necessária para a manutenção da governabilidade social e, nessa linha de raciocínio, não deve ser ao acaso que facilmente ela vem perdendo espaço para os procedimentos no judiciário e para acontecimentos que outrora não tomariam maiores proporções. Uma democracia que balança não é bom para governos e instituições. Ao balançar ela joga ao chão atores que operam no mercado e no próprio Estado abrindo impossibilidades de mudanças, investimentos, empreendimentos e acertos de contas, inclusive, acerto de contas públicas. Bodes expiatórios são criados e, na primeira oportunidade, um grupo tende a colocar na fogueira a liderança ou o partido da vez. Quem assistiu aos acontecimentos do dia 17 de abril entendeu este fato ou não observou nada.

Em terceiro e último lugar, não é possível passar despercebido o despreparo de nossos representantes. Tenho sérias dúvidas que a maioria tinha realmente a ciência dos acontecimentos. Mais que isso, esquizofrênicos, falaram de um clamor das ruas, de um país que chora no desemprego, de um povo que sofre na fome e de um país que se afunda em uma crise econômica sem precedentes na história. Tudo contestável, pois o desemprego no país ainda nem chegou perto dos índices que abriram as greves do final dos anos 1970 e início de 1980; a miséria já não é a mesma de outros tempos e muitos brasileiros passaram a ter acesso a serviços que antes nem coragem tinham de passar por perto. Sobre a crise econômica, deputados falaram pelos cotovelos porque ou não lembram ou não sabem dos 50% a 80% de inflação ao mês no governo Sarney. Sou do tempo que a crise era algo “normal” e que o empresariado nadava de braçada nas costas do trabalhador. A ideia não é defender um governo e achincalhar outro. Penso ser de suma importância apontar para o despreparo dos agentes políticos. E se eles são despreparados a culpa é toda nossa. No Brasil se vota mal, seja na esfera municipal, estadual ou federal. Nesse caminho não vejo salvação e saída para um país como este. Ainda somos resultado das senzalas humilhadas e estupradas pelos senhores de engenho. Somos resultado de oligarquias que ainda tem guarita em cidades de pequeno e grande porte. Somos um grande país da impunidade que mata aos montes negros, jovens e pobres. Somos obrigados a utilizar a cordialidade para não cair no ostracismo e garantir um lugar na sociedade. Finalmente, somos nada, ninguém, filhos e filhas mortos pela polícia, vítimas da merenda que não chegou, da saúde em filas indianas e sem qualidade, da educação bancária e da segurança privada para poucos, peixes mortos pela Samarco, flores e florestas destruídas pela Vale e um bando de oportunistas e idiotas políticos, pois além de esperarmos tudo do Estado, votamos nos mesmos de sempre e que aprenderam a utilizar muito bem o chicote da língua que brada com força o “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.