O CANSAÇO DO AVESTRUZ


Que me perdoem os que, por razões particulares, não acham graça ou não se sentem atraídos pela Itália, assim como a Bélgica, por exemplo, não me diz nada. Mas ainda falarei muito da minha experiência lá.

Assim, aqui, retorno a esse país mais como parâmetro para nós, em nossa triste situação de avestruzes.

Mas venho me cansando de ser avestruz! Não dá para enfiar o tempo todo a cara debaixo do chão e se abstrair do circo de horrores que presenciamos ultimamente, sob o constante pretexto de que o nosso pequeno cotidiano de formigas deve nos importar mais.

Começo a perceber que essa ótica é questionável. Nosso cotidiano mais próximo nos ocupa mais de perto; no entanto, é bem ele que vem sendo afetado de maneira lastimável por todos esses desmandos.

Enquanto estive em Roma, e quando passei por Verona, Milão, Assis, observei muito. Em Roma particularmente, apesar de todos os problemas locais que o turista esclarecido reconhece existir por lá, como em qualquer outro lugar, deleitou-me a sensação de liberdade.

Logo no começo, fomos avisados pelos guias: "se cuidem apenas de furtos esquivos. Aqui ninguém vai matar vocês por conta de um celular."

Assim, andei gostosamente nas ruas romanas em pleno começo de madrugada, voltando de pizzarias, com celular na mão, sem temer coisa nenhuma. Vi a Polícia funcionando, noite e dia. Vi transportes eficientes. Vi um país inteiro valorizando e se orgulhando de sua cultura e educação. Sobretudo, vi italianos orgulhosos de serem italianos, dentro de um pais que, a despeito e acima de seus problemas particulares, valoriza os seus cidadãos!

O exemplo poderia se enquadrar em qualquer outra nação mais avançada. Na Holanda, ou na Alemanha, não importa! A verdade é que é triste; é uma grande desgraça quando, em seu próprio país, você é negligenciado pelas autoridades nos direitos mais básicos! É tratado com tanta consideração quanto a que se dispensa à uma barata!

Noutro dia vi na mídia: o ministro britânico andando de metrô!

Por qual razão então as autoridades brasileiras não compartilham as rotinas comuns dos cidadãos mortais?

Ah, as distâncias, o trânsito, a pontualidade nos compromissos!...

Então, senhores, argumentaremos o que, como trabalhadores comuns, ouvimos muito de nossas chefias:
- Saia de casa mais cedo! Por que não utilizam metrô?!
Ah, mas é uma lata de sardinha! Ah, gestão de transportes públicos!

Entendi...

Respeitáveis autoridades, por qual razão seus filhos, esposas, podem ser levados de um para outro lado de carros oficiais particulares, enquanto dia e noite me angustio por cada chegada a salvo de meus filhos em casa nessa cidade violenta?

Não dá mais para aguentar a rotina de gaiola! Por mecanismos de sobrevivência, perdemos nossa liberdade de ir e vir. Eliminamos jantares noturnos em restaurantes com amigos ou família. Marcamos horários rígidos de chegada dos filhos em casa e nos escravizamos, com isso, à neurose dos celulares. Precisamos , entra dia sai dia, de nos certificarmos de que nossos entes queridos, onde quer que estejam, estão bem.

Por que temos que ir a uma emergência de clínica ou hospital (diga-se, particular, pagando planos de saúde escorchantes com salários baixos) e, nessa mesma dita emergência, com uma criança doente, esperar mais de três ou quatro horas por atendimento como mais de uma vez me aconteceu enquanto os senhores são gostosamente assistidos em hospitais que mais lembram resorts?!

Dentre tantas outras agonias piores ou menores que essas, enfim, por qual razão se convencionou que merecemos, como cidadãos, não mais do que esse espetáculo deprimente cujo auge, agora, explode na política do país?!

Concordo em que políticos são cria de uma coletividade também corrompida, involuida e imatura numa infinidade de detalhes importantes - isso, porém, explica, mas não justifica!

Não isenta os líderes politicos, empresariais ou econômicos de darem o exemplo! Exatamente por se tratar da casta privilegiada dos muitos deles com acesso ao melhor da instrução, dos recursos da cultura!

Quem lhes convenceu, senhores, de que nós valemos somente isso?!

Chega!

É favor passarem a andar de transporte público, frequentar hospitais públicos, viver as vidas de mortais que todos somos! Não há prerrogativa política, ou qualquer outra, que lhes dê o direito de roubar nosso dinheiro, ou de usurpar os direitos da população!

No dia em que esses pormenores convenientemente desprezados começarem a mudar, a qualidade de vida no Brasil melhorará em menos de uma semana!...