A NOITE QUE DUROU DEZ ANOS

Eram exatamente dezessete horas do dia 13 de dezembro de 1968, quando o presidente Costa e Silva deu por iniciada aquela sessão do CSN, com todos os seus integrantessentados à mesa de jantar do Palácio das Laranjeiras. Cada conselheiro

tinha à sua frente o texto oficial do Ato Institucional n. 5.

Iniciou a reunião afirmando: A decisão está tomada. Ou a Revolução continua ou ela se desagrega. Suspenderemos nosso encontro por vinte minutos para que cada um possa conhecer o conteúdo do documento que aprovaremos nesta tarde. No retorno, peço que cada membro diga o que pensa e o que sente a respeito.

Ora, estava muito claro, que todos ali participavam de uma encenação. Não haveria, portanto, nenhuma discussão a fazer. O AI 5 já era um fato a ser consumado nas próximas horas. Havia a necessidade apenas de seu referendo pelo Conselho.

Na retomada da reunião, o primeiro a falar foi o vice-presidente

Pedro Aleixo, que contrariando o pensamento do documento em análise, propunha um outro remédio institucional: o estado de sítio. E foi duro ao proclamar: Discordo do Ministro Gama e Silva. A Revolução está institucionalizada pela Constituição de 1967. Uma Constituição contendo todos os remédios para os males políticos. Este Ato acaba com o Legislativo, colocando-o em recesso pelo arbítrio do Executivo. E torna o Judiciário um apêndice do Palácio do Planalto, ao suspender a inamovibilidade e a vitaliciedade dos seus membros. O sentido discricionário e de exceção contido neste documento é um perigo permanente para as instituições. Da Constituição, que antes de tudo, é um instrumento de garantia dos direitos da pessoa humana e dos direitos políticos, não sobra nada. Estamos instituindo um processo equivalente a uma própria ditadura. Foi o único voto contra.

A seguir, um a um foi expondo seu ponto de vista em relação à questão. Alguns tentaram abrandá-lo, sugerindo a sua vigência por um prazo de um ano, como o ministro chefe do Gabinete Civil, Rondon Pacheco. Outro chegou a idealizar a instalação de uma Nova República, com a dissolução do Congresso e a convocação de eleições para uma Constituinte. O ministro Jarbas Passarinho, do Trabalho, por ocasião do seu voto, chegou a afirmar:

Sei que Vossa Excelência, repugna, como a mim e a todos os membros deste Conselho, enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, mas me parece que claramente é esta que está diante de nós. Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência. Médici, chefe do SNI, ao aprovar a decisão, enfatizou que ela já vinha tardia, e lembrou que, há seis meses atrás, já teria proposto um ato institucional nos mesmos moldes. A Paraíba, lamentavelmente, estava lá presente na pessoa do Ministro do Exército, Lyra Tavares, que na oportunidade do anúncio do seu voto assim se manifestou: Nós estamos agora perdendo as condições de manter a ordem neste país. É preciso assimilar que foi com grande sacrifício que as Forças Armadas, particularmente o Exército, guardaram até aqui, como fato inédito na história política do Brasil, o seu silêncio, à espera de uma solução, e, convencidos todos os quadros, de que não se pode deixar de haver essa solução, voto pela sua aprovação.

Enfim, o AI 5 estava aprovado quase por unanimidade, registrando-se apenas o voto contrário do vice-presidente, Pedro Aleixo. Participaram daquela histórica e nefasta reunião as seguintes personalidades, além do presidente Costa e Silva: Adalberto de Barros Nunes, Adalberto Pereira. Albuquerque Lima, Augusto Rademacker, Huet Sampaio, Carlos Simas, Costa Cavalcanti, Delfim Neto, Emilio Garrastazu Médici, Hélio Beltrão, Ivo Arzua, Jarbas Passarinho, Jayme Portella, Leonel Miranda, Gama e Silva, Magalhães Pinto, Márcio de Souza e Mello, Mário Andreazza, Orlando Geisel, Pedro Aleixo, Rondon Pacheco e Tarso Dutra.Encerrando a reunião, o Presidente Costa e Silva declarou: “Peço a Deus que não venha a me convencer amanhã de que Pedro Aleixo é que estava certo”.

Concluída a reunião do Conselho de Segurança Nacional, começaram os preparativos para o anúncio oficial daquele que viria a ser o mais duro golpe do regime militar, o Ato Institucional número 5. Caberia ao Ministro da Justiça, Gama e Silva, até por ter sido o seu principal idealizador e, segundo muitos historiadores, seu redator, a responsabilidade de fazer a comunicação das medidas ao povo brasileiro. Como a reunião do CSN era uma encenação, sabendo, portanto, que a decisão estava tomada mesmo antes do seu início, as providências para a solenidade do anúncio já estavam sendo adotadas durante a sua realização.

Alberto Cúri, locutor oficial da Voz do Brasil, às dezessete

horas, recebia em sua residência, no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, a visita de emissário do presidente da República que o convocava a comparecer imediatamente ao Palácio das Laranjeiras. Quando chegou ao Palácio, a reunião ainda estava se realizando. Jantou e aguardou que fosse chamado. Eram 21h45min, quando foi encaminhado ao andar superior para um encontro com o presidente. Era a primeira vez que se encontrava pessoalmente com Costa e Silva. Após os cumprimentos formais, recebeu um documento datilografado em dezoito laudas, com tipologia maior do que o normal, contendo os termos da comunicação que leria naquela noite, numa edição extraordinária da Voz do Brasil. “Gostaria de lê-lo antes, Senhor Presidente, para

me preparar”, solicitou. Costa e Silva respondeu: “Não, senhor. Não temos tempo. As Câmeras de tv e os microfones das rádios já estão a postos, vamos entrar ao vivo em cadeia nacional”.

No salão nobre do Palácio das Laranjeiras, o cenário estava preparado. Sentando-se ao lado do Ministro Gama e Silva, Alberto Cúri se posicionou para fazer a leitura do documento que oficializaria a ditadura no Brasil. Exatamente às vinte e duas horas, o Ministro faz sua saudação aos ouvintes e telespectadores e afirma: É necessidade imperiosa na defesa dos interesses superiores da Nação e do povo brasileiro, adotar as medidas que nesta oportunidade daremos a conhecer, na verdade de caráter excepcional, mas que têm por finalidade cumprir o dever a que nos impusemos como elementos da Revolução de 31 de Março de 1964.

Falou por cinco minutos e transferiu a palavra

para Alberto Cúri, que passou a ler o texto do AI-5 na íntegra e o Ato Complementar n. 38. Naquele instante, o Brasil era impactado pela informação de que a partir de então estariam concentrados nas mãos do governo poderes quase que absolutos por tempo indeterminado. O Congresso seria fechado, os mandatos de senadores, deputados e vereadores entrariam em recesso, estava autorizada a intervenção nos Estados e nos Municípios, passaria a ser legal legislar por decretos-leis, permitir-se-ia ao presidente da República decretar estado de sítio e prorrogá-lo se julgasse necessário, não mais seriam permitidas reuniões de cunho político, a imprensa, o teatro, a música e o cinema estariam submetidos a rigoroso sistema de censura prévia e suspenso o habeas corpus para crimes políticos. O regime militar tirava a máscara e assumia sua postura ditatorial. Iniciava-se a mais negra página da nossa história política.

Alberto Cúri, em entrevista concedida à revista Época, um mês

antes de morrer, aos setenta e dois anos, relatou seu sentimento naquele momento histórico em que era protagonista por obrigação de ofício: Enquanto lia, tomava conhecimento das medidas - no início quando estava nos “considerando”, achei normal, sereno. Quando comecei a ler o ato propriamente

dito, com os “decido”, é que me dei conta do que anunciava. Mas não podia gaguejar. Ali eu era apenas uma voz com salário mensal de trezentos cruzeiros novos. O dono da voz era o presidente da República.

Às 22h30min, estava encerrada a comunicação. A escuridão dessa noite durou praticamente dez anos. O AI-5 produziria seus males ao povo brasileiro até 1978, quando o presidente Ernesto Geisel decidiu pela sua revogação.

• Esse texto integra o livro “1968 – O GRITO DE UMA GERAÇÃO” que publiquei pela Editora da UEPB em 2013.

Rui Leitão
Enviado por Rui Leitão em 12/12/2017
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