ESTATÍSTICAS QUE NOS ENVERGONHAM

As prisões arbitrárias, as torturas, as demissões de servidores públicos, as cassações de mandatos e direitos públicos são registros que marcaram o regime autoritário instaurado no Brasil a partir do golpe de Estado de março de 1964. Foram ações praticadas valendo-se de instrumentos legislativos de exceção, os Atos Institucionais. Através deles, extinguiu a UNE - União Nacional dos Estudantes, fechou a CGT - Confederação Geral dos Trabalhadores, expulsou das escolas e universidades professores e estudantes, invadiu as redações de jornais, colocou jornalistas na cadeia, acabou com os partidos tradicionais e criou o MDB - Movimento Democrático Brasileiro e ARENA - Aliança Renovadora Nacional.

Nos primeiros dias da ditadura com a edição do AI-1, cassou e suspendeu os direitos políticos de 102 cidadãos. Em dez de abril, afastaram do cenário político nacional lideranças como Miguel Arraes, Jânio Quadros, Luis Carlos Prestes, Darcy Ribeiro, e os paraibanos Celso Furtado e Abelardo Jurema. Os deputados estaduais, Agassiz Almeida e Assis Lemos, tiveram também seus mandatos cassados, demitidos do cargo de professor da UFPB, e levados presos para Fernando de Noronha. Em quinze de junho, Newton Rique perdia o seu mandato de prefeito de Campina Grande. O deputado federal José Joffily integrou a relação de parlamentares alcançados pela cassação.

Celso Furtado passou a morar na França, onde lecionava na Sorbonne. A revista Realidade em matéria publicada em 1968 lamentava: “Impressiona a história de um garoto do sertão da Paraíba que hoje ensina na mais famosa universidade do mundo. Ele é respeitado no mundo todo, principalmente em Paris, onde vive. É tido como um grande economista, a, mas só pôde trabalhar no Brasil em 1974”.

Juscelino Kubistchek, então senador, foi cassado no dia dez de junho. No dia quatro, ocupou a tribuna daquela casa legislativa para pronunciar um discurso que pode ser visto como de despedida: “Na previsão de que se confirme a cassação dos meus direitos políticos, que implicaria na cassação do meu direito de cidadão, julgo do meu dever dirigir, desta tribuna, algumas palavras à Nação brasileira. Faço-o agora, para que – se o ato de violência vier a confirmar-se – não me veja privado do dever de denunciar o atentado que na minha pessoa vão sofrer as instituições livres. Do ponto de vista de minha biografia, só terei de me orgulhar desse ato. Mas querendo ou não, a semente da injustiça, do arbítrio, da maldade, da crueldade, da violação da pessoa humana, do desrespeito, medrará, crescerá, dará frutos e depois – como tem acontecido invariavelmente - o castigo chegará, levando tudo de vencido”.

Com o AI-5, o regime chegou ao seu momento mais radical enquanto postura antidemocrática. O fechamento do Congresso, que só voltaria a funcionar em outubro de 1969 para eleger Médici, dava às Forças Armadas poderes absolutos no controle da situação política e social do país. No dia trinta de dezembro, divulgava a primeira lista de cassações com onze deputados federais, entre eles, Márcio Moreira Alves. A segunda lista saiu no dia dezenove de janeiro do ano seguinte, com dois senadores, trinta e cinco deputados federais e três ministros do Supremo Tribunal Federal. Nos seus seis primeiros meses de vigência, o AI-5 cassou o mandato de trezentos e trinta e três políticos, sendo setenta e oito deputados federais, cinco senadores, cento e cinquenta e um deputados estaduais, vinte e dois prefeitos e vinte e três vereadores. Sessenta e seis professores foram expulsos das universidades federais.

Na Paraíba, tiveram seus mandatos de deputados federais cassados, Osmar de Aquino e Vital do Rego (17.01) e Pedro Gondim (06.02). Outros paraibanos cassados no primeiro semestre de 1969 foram os deputados estaduais Robson Espínola, Francisco Souto, Mário Silveira e José Maranhão. O desembargador Emilio de Farias foi afastado do Tribunal de Justiça. Ronaldo Cunha Lima, eleito em novembro prefeito de Campina Grande, só conseguiu ficar à frente daquela edilidade até quatorze de março de 1969, quando foi surpreendido com sua cassação.

O AI-5 foi seguido de mais doze atos institucionais, cinquenta e nove atos complementares e oito emendas constitucionais. Durante o período da ditadura militar, foram registradas trezentos e cinquenta prisões políticas na Paraíba. Entre elas, sindicalistas, estudantes, professores, jornalistas, operários, profissionais liberais, trabalhadores rurais e pequenos produtores agrícolas. Mais de quarenta funcionários públicos foram demitidos. Ocorreram vinte e oito cassações de mandatos de deputados estaduais, prefeitos e vereadores. Cinquenta e duas pessoas submeteram-se a processos instaurados pelo IV Exército, com sede em Recife.

A Comissão Nacional de Anistia do Ministério da Justiça recebeu em torno de setenta mil pedidos de indenização. A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos registrou quatrocentas e cinquenta e sete pessoas dadas como mortas ou desaparecidas, das quais duzentas e vinte e três comprovadamente assassinadas.

São números que envergonham um passado da nossa história. Chico Buarque na sua música “Vai Passar”, define bem o pesadelo que viveu o Brasil nesse período. “Num tempo, página infeliz da nossa história/passagem desbotada da memória/das nossas novas gerações/ dormia nossa pátria mãe, tão distraída/sem perceber que era subtraída/em tenebrosas transações”.

• Do livro “1968 – O GRITO DE UMA GERAÇÃO”.

Rui Leitão
Enviado por Rui Leitão em 27/12/2017
Código do texto: T6209697
Classificação de conteúdo: seguro