DELAÇÃO PREMIADA

DELAÇÃO PREMIADA

No Brasil, acontecem umas coisas curiosas se não fossem trágicas e imorais, que vistas com olhos da ética formal chegam a revoltar e nos levar a duvidar da instauração de um Estado decente. Eu lecionei ética na Universidade e escrevi dois livros sobre o tema; “A Crise da Ética” e “Ética Cristã e Compromisso Político” nos quais eu invectivo condutas ilícitas ou distorcidas verificadas em nossa sociedade, sob o viés social, político ou econômico.

Segundo os juristas, a “delação premiada” é um instituto do Direito Penal que se desenvolveu diante das dificuldades enfrentadas ao longo do tempo para se punirem os crimes praticados em concurso de agentes. Esta ferramenta jurídica apresenta registros desde a Idade Média, porém conquistou um lugar de maior destaque com a sofisticação da criminalidade. Essa forma de delação, a plea bargain,

ganhou corpo na velha Inglaterra do século XVI para investigar e punir crimes contra a Coroa. No Brasil a delação premiada pode beneficiar o “dedo duro” com a) diminuição da pena de um a dois terços; b) cumprimento da pena em regime semi-aberto; c) extinção da pena; d) perdão judicial.

A partir do Brasil republicano sempre existiu essa prática, que ganhou mais notoriedade neste século com os escândalos do “mensalão” e da “lava jato”, em que criminosos, na esperança de uma redução de pena, se voltam contra seus comparsas, confessando muitas vezes, para se livrarem, o que sabem e o que não sabem.

Às vezes, é causa de nulidade de um processo, a investigação ou escuta telefônica, sem que haja uma autorização judicial. A isto eu considero uma exigência, um ato legal, sob pena de virarmos uma sociedade de alcagüetes nazi-fascistas ou cidadãos sob o olhar espião da intelligentsia soviética. O curioso então, é que o mesmo regime jurídico que torna ilegais as escutas e invasão de domicílio sem respaldo, julgue válida a associação com malfeitores, criminosos e corruptos para investigar crimes que eles mesmos cometeram, Não é porque o bandido “entrega” o resto da quadrilha que ele mereça credibilidade para tomar parte ativa no processo, ou se torna menos bandido.

Quando tantos denunciam – inclusive eu – uma ética em crise, a voz do criminoso, por um dispositivo bandalho da lei, passa a assumir foros de verdade. Nos subterrâneos da ética constata-se a partir dos meios judiciais a prática pragmática dos “fins que justificam os meios”. O cara é criminoso, corrupto ou calaveira, mas para ajudar a justiça ele recebe o placet como se testemunha honesta e digna de crédito fosse. Incentivam-se os jovens às atitudes morais, mas ensinamos a delação premiada, que é uma ruptura ética. Pode ser legal, mas não tem o suporte ético nem moral.