Bolsonaro, Haddad e o nada de novo que existe debaixo do sol

O sábio rei Salomão, assim declarou certa vez: “O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; de modo que nada há novo debaixo do sol”. Essa é a base da chamada teoria da história cíclica, a qual preconiza que eventos ocorridos no passado, ainda que sob uma nova roupagem, tornariam a acontecer no futuro. Como um entusiasta do conhecimento histórico, particularmente da observação do desenvolvimento da sociedade no desenrolar daquela, fico muitas vezes impressionado com a aplicabilidade da referida teoria; e conquanto não possa falar acerca de outros países, no Brasil, em particular, ela é bastante evidente.

Ora, eu não seria tão radical quanto muitos adeptos da ciclicidade da história, crendo num determinismo invariável, ignorando, assim, o arbítrio dos homens de tomar decisões. O problema, porém, é que dentro do cartesianismo que vigora em nossos dias, um ramo do conhecimento como a História, e sua leitura crítica, são vistos, desde o início da vida escolar, como uma mera e enfadonha descrição do passado. E por ignorarem que esse saber está, na realidade, intrinsecamente relacionado ao futuro, as pessoas se tornam propensas a cometerem os mesmos erros das gerações anteriores, perpetuando os fracassos num determinismo autoimposto.

E num país em que os professores, desde os tempos do Império, ganhavam o mesmo que um feitor de escravos; no qual as faculdades de história só vieram a surgir no século XX; numa nação cujo patrimônio histórico é frequentemente vilipendiado, ao ponto de seu principal museu somente vir a ser socorrido após um incêndio que dizimou boa parte do inestimável acervo, afora tantos outros espalhados pelo seu território, em iguais condições de precariedade e descaso, como esperar um por vir melhor? De fato, o Brasil nunca valorizou o seu passado, e por isso, põe também a perder o seu futuro.

Nesse contexto, ao se analisar atentamente a atual conjuntura política do país, perceberemos que já estivemos aqui antes. Na verdade, caso pudesse arriscar, diria que os brasileiros estão em algum lugar no início dos anos 30 e, em menor grau, no início dos anos 60, resguardadas as devidas proporções. E digo isso porque, com exceção do receio do país se transformar numa “república sindical” (ou comunista) capitaneada por um presidente de esquerda, bem como alguns outros detalhes bem pontuais, não há maiores similitudes entre os nossos tempos e aquela época. Ressalte-se, a propósito, que me debruçando um pouco sobre a história de João Goulart, não me parece ter havido grandes evidências de que ele fosse, de fato, um comunista, como o acusavam; no tocante a Lula, embora seja sim declaradamente de esquerda, custa-me a crer que o seu intento é o de transformar o Brasil numa nova Venezuela, por diversas razões, a começar pelo fato de as bases e as estruturas da nossa sociedade serem diferentes. Não estou dizendo com isso que a permanência do PT no governo seja benéfico para o país, sobretudo a médio e longo prazo; apenas que, assim como o Brasil jamais teria se tornado um “República Sindical” nos idos anos 60 sob o comando de Jango, também é pouco provável que se torne numa “República Chavista” com Lula na presente época.

Voltando os olhos agora ao início dos anos 30, as similitudes com os nossos dias tornam-se ainda mais visíveis. Embora já se houvesse então certo receio de uma ameaça comunista, mesmo os céticos em relação a ela não poupavam críticas ao sistema político vigente, tão corrupto e oligárquico. Diante disso, nossa primeira República, por tanto tempo sonhada, em somente quatro décadas de instituição, já se viu desgastada, e os seus líderes, em razão dos muitos desmandos, alvos da animosidade e do desprezo público.

Havia, portanto, um clamor por um “salvador da pátria”, um “messias”, o qual haveria de extirpar de uma vez por todas a política tradicional, moralizando os costumes do povo e encabeçando um governo pautado na eficiência administrativa. Emerge nesse contexto, então, a figura do Sr. Getúlio Vargas, que através da famosa Revolução de 30, haveria de se tornar o nosso dirigente a mais tempo no poder.

Ora, Lula já tentou por diversas vezes associar a sua imagem à do Presidente Vargas; todavia, no cenário político desenhado hoje no país, é Bolsonaro quem mais se aproxima daquela figura. Para fazer frente a Júlio Prestes, que tinha por detrás de si Washington Luís, com o apoio de São Paulo e de grande parte dos outros estados do Brasil, Vargas precisou se unir a pessoas que discordavam dele, mas que também estavam insatisfeitos com a política vigente; foi necessário, inclusive, que ambas as partes abrissem mão de programas próprios de suas ideologias, a fim de formar a chamada Aliança Liberal.

Pois bem, a coligação “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” parece ser a Aliança Liberal do século XXI, inclusive por sua heterogeneidade. Antes, dentre os apoiadores de Getúlio, haviam os que se alinhavam a um governo mais autocrata, como era o caso de Juarez Távora; por outro lado, outros que eram mais alinhados à democracia e ao liberalismo, como Batista Lusardo. Hoje, temos Mourão de um lado e Paulo Guedes do outro. E a mesma pergunta que havia no passado, volta a pairar nos nossos dias: para qual direção o Presidente irá seguir?

Mas todas essas questões dizem respeito ao momento posterior ao pleito, se Bolsonaro vencer; mas, e se ele perder? Getúlio não levou as eleições de 1930, mas acusou as urnas de estarem fraudadas, e após o assassinato de João Pessoa, conseguiu o motivo para o “golpe” ou a “revolução”, como se queira chamar. Com denúncias semelhantes tendo acontecido no último dia 7, se Haddad for eleito nas próximas semanas, poderemos ter uma “Revolução de 2018”? Caso isso ocorra, quais serão as implicações para o país? Se, todavia, nada for feito, será que é possível um continuísmo da política vermelha?

A resposta a essas perguntas, só o tempo revelará... O fato, porém, é que se valorizássemos a nossa história, e a interpretássemos com um pouco mais de senso crítico, para além das paixões “futebolescas” e da polarização descomedida, sequer precisaríamos nos encontrar numa posição de ter de fazê-las. Nossa democracia encontra-se outra vez em crise, e se o contexto é de instabilidade, e as soluções são incertas, é porque ainda não aprendemos com o nosso passado.

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*NOTA DO AUTOR: Este artigo representa a minha opinião acerca do conteúdo nele exposto. Se você não concorda, respeito seu posicionamento, e as eventuais réplicas, quando pautadas do diálogo e na aquisição de conhecimento são sempre bem-vindas.