Sobre o fetiche da ditadura na mente do brasileiro

O Brasil é uma das poucas sociedades do mundo onde uma parcela considerável sai às ruas para pedir intervenção militar. Digo poucos pois não conheço nenhum outro caso, mas acredito que neste mundo enorme e heterogêneo deva ter outras ocorrências semelhantes à nossa. Enfim, a questão é explicar de onde vem esse fetiche da elite e classe média brasileira com o regime ditatorial, que isola o próprio povo da participação na construção de sua própria trajetória de desenvolvimento.

Para isso, resgato um pouco dos escritos de Caio Prado Jr. para especular sobre a fonte de nossa inclinação para a repressão e a ordem. O que mais chama atenção na obra do autor, e que pode ser considerada a essência da sociedade brasileira, é a ideia de que o Brasil foi fundado para ser uma região destinada à realização de negócios. Em “Formação do Brasil Contemporâneo” o caráter exploratório da colonização liderada pelos portugueses é a fonte do nosso espírito rentista e mercantil:

“Todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo sentido. (...) Não sofremos nenhuma descontinuidade no correr da história da colônia. (...) A ideia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum. É o comércio que os interessa, e daí o relativo desprezo por este território primitivo e vazio que é a América.”

Este processo institucionalizou na mente do nosso povo o hábito pecuniário como a finalidade essencial da vida humana. Consequentemente, esta filosofia trata como fundamental a existência da ordem, independentemente de seu tipo. Nada é pior para os negócios do que a incerteza, pautada pela mudança no equilíbrio de poderes e dos direitos adquiridos. A propriedade privada deve estar bem estabelecida e as aflições do trabalhador, como mero fator de produção, repreendidas.

Nisto, o regime militar é especialista. Por ter o poder das armas, a classe dos militares consegue impor, pela força, a ordem desejada pelos negócios. As elites e a classe média apenas têm que seguir as regras e acatar o moralismo conservador imposto. Quem nunca ouviu aquela história de que “o regime militar foi ótimo pra quem era trabalhador, seguia as regras e não aprontava”?

A ditadura é o melhor regime pra quem não tem interesse em construir as regras do seu próprio jogo. Ainda, é ideal para aqueles que veem a vida com a finalidade única de acumulação material. Mas é um terror para os que desejam realizar suas potencialidades de forma autônoma e em ramos que vão além dos negócios, como a arte, a filosofia, a inovação tecnológica e a ciência descompromissada. São justamente nestes caminhos alternativos aos valores pecuniários que estão escondidos os verdadeiros significados da vida. Infelizmente, a nossa história de exploração implantou na mente do ser brasileiro o fetiche masoquista pela ordem e submissão, em detrimento do prazer pela liberdade e criatividade.

Mas há esperanças, principalmente frente aos amplos movimentos de repulsa ao que está por vir.